Eduardo Coutinho é considerado o maior documentarista brasileiro. Isso ninguém questiona. Seus filmes sempre levantam debates e colocam, muitas vezes, o próprio cinema enquanto dispositivo em primeiro plano. Um dia na vida, que teve sua primeira e última concorrida exibição durante a programação da 34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, segue caminho similiar às outras produções do diretor e faz uso de imagens aleatórias para apontar questões sobre um tema nem sempre muito claro.
O filme - ou projeto, como prefere Coutinho - nada mais é do que uma amálgama de imagens aleatórias gravadas em 19 horas de um dia qualquer da programação televisiva brasileira. A princípio o projeto parece uma crítica ao lixo que é a TV aberta (as imagens são captadas de vários canais: Globo, SBT, RedeTV, Record, Band etc), mas logo fica evidente que esse não é o intuito. Mais do que uma crítica a TV, o projeto quer mostrar o quanto a sociedade em geral é bizarra, usando a TV como espelho e reflexo dessa podridão. Tudo muito lindo no papel, mas um tanto questionável quando apresentado na tela.
Primeiro, o "filme" não tem nada de criativo, é apenas uma colagem de imagens que pretendem chocar a partir de uma edição que, palavras de Coutinha, evitam qualquer tipo de olhar ideologizante. É óbvio que esse discurso até pode funcionar na teoria, mas na prática a própria escolha das imagens de determinados canais/emissoras em determinados horários já impõe uma ideologia (novelas dividem espaço com desenhos animados, publicidade, programas policialescos, telejornais etc.)
O local e o evento escolhidos como plataforma de lançamento do projeto também refletem uma ideologia. Afinal, supostamente um público que se estapeia por um ingresso de um filme do Coutinho no maior festival de cinema do país não está acostumado a assistir imagens tão exdrúxulas como as exibidas na tela grande do Cine Livraria Cultura. Isso se reflete na própria reação do público, que gargalha e ri como se não fizesse parte daquele universo retratado na tela grande. Talvez, se exibido para um outro público, mais afeito e acostumado às mazelas exibidas na TV aberta, a reação seria outra. Seria outra também caso fosse outro cineasta e não Coutinho a frente do projeto.
Enfim, tudo suposições que ficarão no ar, já que o destino do filme/projeto é incerto. Entre dúvidas e questões colocadas na tela, a única certeza que "Um dia na Vida" deixa é que ele é o mais puro exemplar do cinema de horror, com mocinhos, vilões e clichês, mas sem direito a final feliz.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Filmes da Mostra
Trabalhar na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo não é fácil. Ainda mais quando se gosta de cinema. Você está cercado de filmes, sabe a sinopse de vários, se interessa por muitos, mas acaba não vendo quase nada. Mas ainda assim compensa. E no meio de uma rotina meio massacrante, você tenta encaixar um filme aqui e ali. A 34ª Mostra ainda não terminou, mas até agora só consegui tempo para ver dois filmes.
O primeiro, mais do que apenas ver um filme, foi uma experiência coletiva, por mais brega que isso pareça. Vi Metropolis deitado no gramado do Parque Ibirapuera, em uma puta tela grande e com direito à orquesta tocando a trilha musical do longa ao vivo. Ao fundo, o céu e as nuvens carregadas de São Paulo e um frio de rachar os dentes.
Antes de mais nada, confesso que nunca tinha visto Metropolis, só algumas cenas. Nunca fui muito fã de cinema mudo, ou silencioso, como preferem alguns. Geralmente me perco, confundo os personagens, não consigo acompanhar a narrativa e pouco me interesso pela história que está sendo contada (isso quando tem história). Mas não dá pra negar que "Metropolis" é um achado cinematográfico. Vê-lo em uma cópia restaurada e em uma tela grande dá um significado maior ainda às belas imagens do filme.
Hoje em dia, o longa pode até ter uma mensagem um tanto datada e já muito explorada pelo cinema, mas isso não tira o mérito do filme, que ecoa até hoje em termos de referências. Da história à cenografia, dá para perceber resquícios de "Metropolis" em filmes como Matrix, O Exterminador do Futuro, Batman e por aí vai, além de vários videoclipes (ver a dança da atriz que interpreta Maria, por exemplo, nos faz lembrar que as coreografias ousadas de Shakira e Britney Spears não têm nada de novas).
Se "Metropolis", ainda hoje, sobrevive ao tempo, não se pode dizer o mesmo de Atração Perigosa, segunda empreitada de Ben Affleck na direção. É um filme forte sobre assalto a bancos, com um bom elenco (com destaque para o Mad Men Jon Hamm) e uma produção de primeira. Mas o longa deixa a desejar justamente por apostar em uma caminho fácil já percorrido antes.
Entre clichês e mais clichês, temos o bandidão chamorso e boa pinta que se salva no final e uma relação amorosa mal construída entre ele (o próprio Affleck) e a subgerente refém de um dos assaltos (Rebecca Hall). Um dos problemas da produção é justamente esse: o flerte entre Affleck e Hall nunca convence, menos pelos atores e mais pelo roteiro apressado que não deixa tempo para o desenvolvimento dos personagens.
Atração Perigosa não chega a ser ruim, mas passa longe da urgência dos filmes de ação dos anos 1970 que o inspiraram ("Serpico", "Um Dia de Cão", "Operação França", por exemplo). O longa também fica devendo quando comparado à grandiosidade trágica de um "Fogo contra Fogo" (de Michael Mann) ou a tensão constante de um "O Plano Perfeito" (de Spike Lee), por exemplo. Correto e sem alçar grandes voos, "Atração Perigosa" pelo menos demonstra que Ben Affleck tem potencial como diretor, ainda que lhe falte mais coragem para quebrar regras.
sábado, 2 de outubro de 2010
"Eu matei minha mãe"
Filmes com pretensão de serem "modernos" geralmente dividem a crítica. Alguns amam as fírulas narrativas, a montagem frenética, o uso pop da trilha musical e o ar blasé e supostamente poético desses filmes que versam sobre drogas, sexo e relacionamentos em um mundo cada vez mais urbano e acelerado. Outros acham isso tudo clichê e esquemático e acreditam que tais recursos jogam o filme em um registro estético demais e emocional de menos.
Talvez a maior qualidade de Eu matei minha mãe resida justamente em conseguir um meio termo entre o emocional e o estético. O jovem Xavier Dolan, que aos 20 anos dirigiu, escreveu e protagonizou o longa, mescla com cuidado um tom melancólico com uma narrativa vigorosa, fazendo bom uso de recursos já desgastados por esse cinema dito "moderno": câmera lenta, edição picotada, registro de depoimentos confessionais em preto & branco, textos transcritos na tela etc.
Por um lado, temos todas essas estratégias narrativas que atraem um público mais jovem e dão ao longa uma cara mais "anos 2000", digamos assim. Mas de outro, temos uma trama bem construída e que exala honestidade, principalmente em razão do olhar um tanto ingênuo que Dolan atribui ao conturbado relacionamente entre mãe (Anne Dorval) e filho (Dolan). É esse olhar ingênuo, mas sincero, que impede que o filme se afunde em clichês e nos faça acreditar nessa história de desentendimentos.
"Eu matei minha mãe" é, na verdade, um longa sobre a dificuldade de comunicação. Não é um tema novo, ainda mais quando essa dificuldade parte das diferenças entre gerações de pais e filhos (Juventude Transviada, nos anos 1950, já levantava essa questão). A abordagem também não é inédita e, dos anos 1990 para cá, vários outros filmes construíram sua fama graças a uma roupagem narrativa mais pop (Trainspotting é um bom exemplo).
Mas Dolan sabe conduzir seu filme de modo poético sem soar superficial ou forçado. Talvez ele peque um pouco na construção dos dois personagens principais, exagerando na infantilidade da mãe e do filho e no modo agressivo que ambos se relacionam entre si. Um pequeno porém que não impede que "Eu matei minha mãe" funcione como um belo exercício de olhar sobre o velho conflito de gerações.
Obs: o novo filme de Dolan, Les amours imaginaires, está na programação do Festival do Rio e da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
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