A HBO é foda. A emissora nem sempre acerta (os cancelamentos repentinos de “Hung” e “Enlightened, por exemplo), mas quando quer, ela faz bonito. Logo no início de 2014, a HBO lançou duas novas séries para entrarem no mesmo hall da fama de “The Sopranos”, “Sex and The City”, “Game of Thrones”, “Big Love”, “True Blood”, “Girls” e “Boardwalk Empire”: as ótimas True Detective e Looking.
De longe, True Detective causou mais impacto. Trouxe de volta ao olimpo uma trama envolvendo policiais e um serial killer, depois de “Dexter” ter esvaziado e “The Following” quase enterrado a fórmula. Com uma direção dos deuses de Cary Fukunaga (“Jane Eyre”), um texto brilhante do criador Nic Pizzolatto e um elenco de peso “emprestado” da tela grande (Woody Harrelson, Matthew McConaughey e Michelle Monaghan), “True Detective” é televisão, é cinema, é sangue, mistério, violência, sexo e assassinatos.
Indo e voltando no tempo, a série se passa em um período de cerca de 20 anos, tempo que os detetives Rust e Martin levam para tentar solucionar uma série de desaparecimentos envolvendo crianças, mulheres, religião e rituais satânicos. Parte da força da série está justamente na construção de um quebra-cabeça envolvente cheio de peças soltas e que nem sempre fazem muito sentido.
Pizzolatto costura a trama com precisão em meio à vida pessoal dos dois diferentes e conflitantes policiais. Fukunaga pega a narrativa de primeira e eleva a experiência ao máximo: a forma como passado e presente se conectam é perfeita, sempre revelando detalhes sobre os personagens e a própria trama (boa parte da série é conduzida por meio de entrevistas recheadas de flashbacks).
Além da competência do elenco, outra coisa que chama a atenção é o olhar cinematográfico de Fukunaga. A direção de arte é detalhista e impressiona. A fotografia é deleite puro e imprime um ar melancólico à série (o plano-sequência que fecha um dos episódios é melhor que muito filme por aí). O ritmo lento ajuda a desenhar melhor os personagens. E a série cresce a cada novo episódio, encerrando-se em um capítulo final tenso e que não se importa em deixar algumas pontas soltas.
Looking não tem a pretensão de “True Detective”, mas cumpre muito bem seu papel. Lançada com uma versão gay de “Girls”, a série segue a rotina de três amigos em São Francisco. Patrick trabalha com videogames e vive em busca de um relacionamento. Agustín é um artista plástico eternamente em conflito e em busca de inspiração para sua arte. E Dom, o mais velho, é um garçom que quer montar seu próprio restaurante.
De “Girls”, a série pega emprestado a simplicidade no formato e a estrutura episódica. Mas “Looking” vai muito além de ser uma mera reprodução da hypada série sobre quatro amigas tentando viver em Nova York. Criada e escrita por Michael Lannan, a maioria dos oito episódios da primeira temporada é dirigida por Andrew Haigh (do ótimo “Weekend”), que lança um olhar sensível sobre a vida desses três amigos que tentam viver entre erros e acertos.
Fugindo da visão mais efusiva da vida gay tão alardeada por “Queer as A Folk”, “Looking” retrata preconceitos e lança um olhar mais maduro e delicado sobre velhos estereótipos: o gay mais velho e amargo, a artista que se acha superior e o amigo mais ingênuo e romântico. Todos os três em alguns momentos erram feio, soam como idiotas imaturos, mas são salvos pelo carisma dos atores que os interpretam (outra coisa em comum com as protagonistas de “Girls”). O desenrolar da série, no entanto, mostram essas pessoas sem maniqueísmos, e “Looking” só não ganha mais pontos pela brevidade dos capítulos, que muitas vezes impede uma aproximação maior com os protagonistas e um melhor desenvolvimento das tramas.
De qualquer forma, as duas séries voltam em 2015: "True Detective" seguindo a estratégia de "American Horror Story", com novos personagens e atores e mais uma trama fechada; e "Looking" acompanhando a trajetória um tanto torta de Patrick, Agustín e Dom.