terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Cinema: O Artista

Vou ser honesto e confessar que nunca consegui acompanhar muito bem filmes mudos. É uma limitação. Não identifico quem é quem na história, raramente consigo acompanhar a trama, meu envolvimento é quase nulo e, geralmente, fico mais preocupado em não dormir. E olha que sou cinéfilo, daqueles meio chatos mesmo (só não fico cheirando à naftalina em filas de mostras cults, não confundam, por favor!). Gosto de tudo, abraço todos os gêneros, e meus preconceitos em relação à sétima arte são bem poucos. Mas o cinema mudo, silencioso ou qualquer outro termo que o valha, não me entra. Como disse, é uma limitação, só minha e de mais ninguém. Podem me julgar!

Na verdade, na verdade, é uma limitação da maioria de nós. Não fomos (eu não fui e, muito provavelmente, você também não) educados cinematograficamente para compreender os signos do cinema silencioso. A pantomima dos atores não nos cai bem. Os letreiros interrompendo a ação incomodam. A ausência de uma decupagem não desce redonda. E a falta de uma suposta aura acústica real, substituída por uma música ininterrupta dos infernos, causa confusão no espectador médio. Tudo parece caricato e pouco verdadeiro, ainda que o cinema contemporâneo só tenha de verdadeira a intenção de parecer real.
Os códigos do cinema nos seus primórdios eram esses e funcionavam muito bem. Mas não são mais há um bom tempo. Filmes mudos são coisas do passado. Filmes silenciosos são peças de museu. O grande mérito de OArtista seria então apresentar para o público atual toda essa linguagem datada e resgatar um modo de se fazer cinema há muito esquecido? Seria se o “O Artista” fosse realmente uma produção silenciosa como as feitas antigamente. Mas ela não é. O longa faz uso de alguns recursos daquele cinema e os repagina para os tempos de hoje: a pantomima, bem melhor trabalhada, as cartelas, o formato de tela quadradão, a fotografia em preto & branco e por aí vai.

O resultado é um exercício fofo de cinema que faz uso da metalinguagem à exaustão para narrar o declínio de um astro e a ascensão de uma estrela na traumática transição do cinema silencioso para o falado. Michel Hazanavicius segura as pontas na direção e consegue prender a atenção do espectador, o que, convenhamos, é um puta mérito em tempos de Michael Bay. A edição é fluida e, não se engane, bem atual (não é picotada, mas o filme passa diante de você num piscar de olhos). O elenco se entrega e dá conta do recado, mas Jean Dujardin e Bérénice Bejo possuem todo um repertório de atuações para balancear muito bem uma interpretação que traz tanto as caretas quanto uma pitada de psicologia.
Apesar de bonitinho, O Artista me incomoda mais pela ingenuidade e fofura calculada do que por qualquer um de seus outros defeitos: o fato de ser um derivado do bem superior Cantando na Chuva (até a salvação do astro se dá via musical), por exemplo; por nunca encarar totalmente sua proposta “muda”, arruinando a imersão do público com a “explosão” sonora da cena do sonho e do final derivativo e desnecessário; ou simplesmente por sua obviedade (as cenas da mulher histérica do artista perguntando aos “berros” porque ele não quer falar e outra do mesmo ator sendo soterrado pela areia movediça na sua última tentativa de fazer um filme mudo de sucesso são bem sintomáticas).

Dizer que o filme é uma volta ao passado e uma homenagem nostálgica ao cinema de outrora é tão clichê quanto o próprio longa, que, se analisado a fundo, não passa de um melodramão sem muita sutileza. A própria “originalidade” com que a produção vem sendo vendida só se sustenta no fetiche de se ver uma obra silenciosa num típico multiplex em pleno século XXI. E pronto. O que já diz muito sobre o atual estado deplorável da criatividade da indústria de entretenimento.
“O Artista” é sim um bom filme, não vou negar. Dá para assisti-lo sem medo de cair de sono no meio da sessão, e seu pieguismo fica disfarçado porque estamos deslumbrados demais vendo algo completamente “novo”. Mas ele nunca vai além. Seu atual status de aceitação perante a crítica (o longa está longe de ser financeiramente um sucesso como a imprensa quer nos fazer crer) decorre todo de uma nostalgia e saudosismo de uma época que ninguém que esteja vivo atualmente sequer passou perto, um tempo em que éramos mais originais, pois "já fomos mais inteligentes", alguns dizem por aí.

O mal de “O Artista” é o mesmo mal que acomete, por exemplo, Super 8. Ambos tentam emular uma época que não existe mais, a não ser na memória ou imaginação do público, mas nunca realmente a abraçam por completo, inserindo elementos contemporâneos e, de certa forma, indo de encontro a suas propostas. Nesse sentido, Woody Allen é muito mais feliz na ironia fina de Meia-Noite em Paris. "Se é para ser nostálgico, que seja nostálgico de verdade, caralho!", diria Dadinho.
O público embarca na onda porque não lhe resta muita opção. Ou ele se apega a um passado que é muito mais bonito e audiovisual nas telas modernas e com um ótimo sistema de som dos cinemas atuais. Ou ele se afunda na mediocridade do cinema senso comum dos dias de hoje. Diante das opções, não é de se estranhar que “O Artista” seja tão festejado.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Cinema: The Girl With The Dragon Tattoo

Nada como um David Fincher para transformar em filmaço uma trama rocambolesca e meio esticada demais. Os Homens que Não Amavam as Mulheres é um fenômeno literário e virou uma trilogia de filmes suecos que tem como maior mérito revelar para o mundo o talento de Noomi Rapace. A atriz interpreta nos longas a personagem Lisbeth Salander, a maior razão do sucesso dos livros e das produções cinematográficas suecas, filmes interessantes que nunca passam do mediano.

Nas mãos de David Fincher, o que era apenas um mero thriller ganha ares de cinema de verdade na versão hollywoodiana do sucesso. Com sua habitual técnica, Fincher é um diretor visual e ousado que sabe lida da melhor forma possível com os furos e incongruências da trama do livro do autor Stieg Larsson, bem como a história arrastada que aponta para vários caminhos.
O resultado é uma produção vigorosa, eletrizante e com o habitual apuro estético de Fincher, cineasta advindo do mundo da publicidade e dos videoclipes e que encontrou no cinema o ambiente ideal para expandir seu talento. Os Homens que não Amavam as Mulheres ganha corpo em suas cores frias, direção de arte precisa, edição envolvente e trilha sonora incômoda (o cineasta retoma a parceria com a dupla de compositores de "A Rede Social", Trent Reznor e Atticus Ross, aqui em um trabalho mais discreto, mas essencial para o clima sombrio do longa). O diretor sabe como manter o suspense mesmo para quem já leu o livro e viu a versão cinematográfica sueca e constrói um exercício estilístico e narrativo, apresentando o que de melhor o cinema hollywoodiano pode fazer atualmente.

Daniel Craig tem os olhos azuis mais cristalinos da face da Terra e o carisma necessário para convencer no papel de um jornalista investigativo envolvido em uma trama de corrupção e morte (dizer que o ator é sarado demais para interpretar um jornalista é ser preguiçoso e apostar no estereótipo do repórter gordo e desleixado, além de esquecer que estamos falando de uma indústria que não prima pela verossimilhança). Rooney Mara também funciona no papel de Lisbeth Salander, dando à personagem uma aura mais frágil. Mas sua caracterização não deixa de ser parecida demais com a da atriz Noomi Rapace, o que tira parte da originalidade de sua atuação.

A trama é a mesma, com algumas modificações, e cansa um pouco em virtude dos vários rodeios da história. O elenco secundário traz várias caras conhecidas. A abertura do filme é sensacional, ao som da versão esganiçada de Karen O para Immigrant Song, do Led Zeppelin. Mas, ainda que bem sucedido em sua empreitada e superior à versão sueca, o grande calcanhar de Aquiles do longa é o filme original. Quando se chega ao fim da produção, mesmo com tudo no devido lugar graças à dedicação cirúrgica de Fincher, um dos melhores diretores da atualidade, uma pergunta não sai da cabeça: “pra quê mesmo refilmar um filme tão recente e ainda vivo na memória?” (dizer que muita gente não viu o original também não deixa de ser uma repetição da velha preguiça dos remakes; o filme está disponível em torrents e locadoras por aí, é só procurar).

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Pílulas fílmicas II


Os Descendentes

Alguns filmes se destacam graças à grande interpretação de seus atores. O roteiro pode ser convencional, a direção corriqueira, mas um ou mais atores elevam o nível do filme em virtude de sua entrega aos papéis. O novo trabalho de Alexander Payne segue essa linha de raciocínio. Nem de longe tão mordaz quanto seus longas anteriores ("Ruth em Questão", "A Eleição" e, em menor grau, "Sideways"), "Os Descendentes" vem chamando a atenção da crítica e do público. Mas o destaque que a produção vem recebendo decorre muito mais da presença de George Clooney do que propriamente pelas qualidades cinematográficas do filme. O roteiro é bem intencionado, e a direção de Payne, discreta. Clooney, em uma atuação comovente, encontra seu melhor no papel de um pai que tem que aprender a lidar com as filhas. A presença luminosa de Shailene Woodley também não faz mal a um filme cheio de boas intenções, mas que não deixa muitas marcas.


Precisamos Falar Sobre o Kevin

O grande destaque do filme da diretora Lynne Ramsay é a atuação de Tilda Swinton, que destrói tudo que está na sua frente. Mas a atuação da atriz não é a única razão para se assistir a "Precisamos Falar Sobre o Kevin", um filme difícil e com uma história para pessoas de estômago forte. Tilda interpreta uma mãe incomum: ela e o filho (Erza Miller) simplesmente não têm a menor sintonia, e a maternidade chega a sua vida como um pesadelo. Ramsay transforma esse pesadelo audiovisual em belos planos e composições visuais, o que contrasta com a dureza da trama, com poucas concessões.  O maior mérito da diretora é tentar ao máximo não demonizar nem a mãe, que está longe de tomar atitudes socialmente aceitas, nem o filho, um adolescente deslocado como tantos, mas violento como poucos. Os tons vermelhos dominam a narrativa, e Swinton tenta desesperadamente limpar a cor das paredes de sua casa como se quisesse se livrar das memórias de uma tragédia anunciada. As idas e vindas no tempo não tentam explicar nada, apenas causar um incômodo que não deixa o espectador sossegado. O resultado é um filme nada feliz, ainda que seja puro cinema.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Pílulas fílmicas

A Separação e o encontro do cinema iraniano com o público

Para quem está acostumado à narrativa hollywoodiana, filmes iranianos podem ser aterrorizantes: personagens simples sem grandes motivações definidas, ritmo lento como a vida e representação mais realista. A Separação, drama do diretor Asghar Farhadi, foge desse estereótipo e adota uma narrativa mais ocidentalizada, ainda que passe longe de ser um filme com representação “hollywoodiana”. Varrendo todos os prêmios por onde passa (está indicado aos Oscar de filme estrangeiro e roteiro original), o longa alia uma direção segura de Farhadi e um elenco em sintonia, que defende os personagens com vigor, com uma trama enervante, uma tragédia anunciada que nunca deixa o espectador respirar aliviado. O melhor é que a história do casal que enfrenta uma separação cada vez mais desastrosa funciona como metáfora para a situação de um país cheio de conflitos (religiosos, ideológicos, sociais) que é o grande “vilão”, aos olhos do Ocidente, do mundo atual.


O Espião que Sabia Demais e o público que entendia de menos

Depois do ótimo “Deixa Ela Entrar”, o diretor sueco Tomas Alfredson abraça o cinemão com um thriller de espionagem recheado de atores ingleses. Ainda que enverede por uma narrativa mais universal, Alfredson não faz concessões nessa adaptação de um romance de espionagem do autor John Le Carré e deixa o espectador confuso com uma trama que vai e volta no tempo e deixa as explicações de lado para se concentrar em uma encenação meticulosa. Mas, mesmo não trazendo uma história totalmente compreensível (não entendi metade do que estava acontecendo diante dos meus olhos), o filme vale pela direção de arte e fotografia impecáveis e elenco no lugar (Gary Oldman como destaque como um espião silencioso e observador).