Houve uma época, nem tão distante assim, que filmes, minisséries ou séries de TV não ganhavam o mesmo reconhecimento que o cinema. Graças a uma porrada de produtos televisivos cada vez mais ousados, temática e narrativamente, esse preconceito foi sendo deixado para trás. Hoje, a televisão é, muitas vezes, mais interessante do que o cinema, e não é raro vermos atores e diretores renomados da tela grande dando as caras ou desenvolvendo projetos na telinha.
Tematicamente, Mildred Pierce não traz nada de novo. Filmes e séries sobre relacionamentos conturbados entre mãe e filha existem aos montes. Mas nenhum deles é dirigido por Todd Haynes e isso pesa, e muito, a favor da minissérie da HBO protagonizada por uma Kate Winslet totalmente dona de si. Dividida em cinco episódios, "Mildred Pierce" (baseado em um livro que já deu origem a um filme com Joan Crawford, Almas em Suplício) é um achado narrativo dirigido por um cineasta cada vez mais consciente de seu talento para narrar.
Edição fluente, produção refinada e atuações impecáveis de um elenco que conta com Guy Pierce, Melissa Leo, Evan Rachel Wood entre tantos outros são apenas parte do encanto de "Mildred Pierce". A cereja do bolo é mesmo o olhar delicado de Haynes para contar histórias que, a princípio, são bem simples.
Dono de coisas no currículo de encher os olhos, como "Velvet Goldmine" e "Longes do Paraíso", Haynes não é um mero esteta da imagem que se preocupa somente com a composição visual de seus trabalhos. Em "Mildred Pierce", mais do que entregar uma minissérie visualmente detalhista, Haynes comanda um trabalho cheio de alma, cenas belissimamente filmadas e com densidade dramática e uma trama com várias leituras e possibilidades.
Mildred Pierce (Winslet) é uma dona de casa que se divorcia do marido em plena época da Grande Depressão. Com duas filhas para criar, Pierce começa a trabalhar e vê sua vida mudar quando os negócios dão certo. É a vida dessa mulher, amores, trabalho e sucesso, o foco da minissérie, em especial a relação difícil e cheia de conflitos com a filha mimada, Veda (vivida por Morgan Turner e Evan Rachel Wood, em diferentes idades).
A partir do relacionamento entre essas duas mulheres que se amam e se odeiam ao mesmo tempo, Haynes fala sobre inveja, dependência afetiva, crueldade e, acima de tudo, faz um estudo de personagem comovente e tocante, abrindo espaço para Kate Winslet provar, mais uma vez, o porquê de tanto estardalhaço em volta de seu nome.
Despedida de qualquer pudor ou vaidade, a Winslet está para o cinema americano/inglês assim como Juliette Binoche está para o francês. Versátil e talentosa, Kate Winslet também merece crédito por "Mildred Pierce" ser tão especial e encantadora. Acima da média, "Mildred Pierce" é mais uma prova de que, atualmente, o cinema tem deixado, e muito, a desejar em comparação a sua ex-prima pobre, a televisão.
sábado, 23 de abril de 2011
sexta-feira, 15 de abril de 2011
Cópia Fiel
Para alguém que sempre se alimentou de cinema hollywoodiano, nada mais natural do que sentir calafrios só com a menção do nome de um cineasta como Abbas Kiarostami, diretor iraniano que fez um monte de coisa que nunca me dei ao trabalho de ver. "O Balão Branco" e "Através das Oliveiras" não são títulos atraentes, convenhamos, e o desapegado do cinema iraniano à narrativa e à dramaturgia com uma cara mais ocidental também nunca ajudou.
Mais eis que, em algum momento, a gente sempre baixa a guarda e, às vezes, tem uma surpresa. Nunca vi nada de Kiarostami, mas a julgar por Cópia Fiel, eu sou mesmo bobo e devia deixar meus preconceitos de lado e abraçar mais o cinema estranho a Hollywood. "Cópia Fiel" é um achado, uma pérola. Simples, mas ao mesmo tempo sublime.
A princípio, o filme emula os dois exercícios verborrágicos de Richard Linklater ("Antes do Amanhecer" e "Antes do Pôr do Sol"), aqui com uma pitada de Woody Allen e seu olhar um tanto pedante sobre a cultura erudita. A cópia vale tanto quanto o original? A pergunta inicial perde peso à medida em que um homem e uma mulher passeiam por belas paisagens no interior da Itália e discutem sobre arte e vida.
Dono de um olhar peculiar, Kiarostami empresta à câmera uma sofisticação, e "Cópia Fiel" passa a usar a palavra de forma elegante e cinematográfica. A edição é fluida, a fotografia naturalista e a dramaturgia recai sob os ombros talentosos da dupla central de atores: William Shimell e uma Juliette Binoche arrebatadora e entregando uma interpretação apaixonada.
Em pleno domínio de sua linguagem, em "Cópia Fiel", Abbas Kiarostami mostra o quanto um filme pode dizer muito com pouco, o quanto a simplicidade pode ser complexa e o quanto o cinema das margens pode ensinar à indústria cinematográfica.
Mais eis que, em algum momento, a gente sempre baixa a guarda e, às vezes, tem uma surpresa. Nunca vi nada de Kiarostami, mas a julgar por Cópia Fiel, eu sou mesmo bobo e devia deixar meus preconceitos de lado e abraçar mais o cinema estranho a Hollywood. "Cópia Fiel" é um achado, uma pérola. Simples, mas ao mesmo tempo sublime.
A princípio, o filme emula os dois exercícios verborrágicos de Richard Linklater ("Antes do Amanhecer" e "Antes do Pôr do Sol"), aqui com uma pitada de Woody Allen e seu olhar um tanto pedante sobre a cultura erudita. A cópia vale tanto quanto o original? A pergunta inicial perde peso à medida em que um homem e uma mulher passeiam por belas paisagens no interior da Itália e discutem sobre arte e vida.
Dono de um olhar peculiar, Kiarostami empresta à câmera uma sofisticação, e "Cópia Fiel" passa a usar a palavra de forma elegante e cinematográfica. A edição é fluida, a fotografia naturalista e a dramaturgia recai sob os ombros talentosos da dupla central de atores: William Shimell e uma Juliette Binoche arrebatadora e entregando uma interpretação apaixonada.
Em pleno domínio de sua linguagem, em "Cópia Fiel", Abbas Kiarostami mostra o quanto um filme pode dizer muito com pouco, o quanto a simplicidade pode ser complexa e o quanto o cinema das margens pode ensinar à indústria cinematográfica.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Contracorrente
Até que ponto expectativas podem atrapalhar a apreciação de um filme? Até onde a descrença em algo ou simplesmente a falta de sintonia com determinada ideia podem prejudicar o olhar diante de uma obra cinematográfica? Não faço a menor ideia, claro, mas assistindo ao peruano Contracorrente fiquei com essas perguntas na cabeça.
Primeiro, porque o trailer do filme vende um produto que não está na tela do cinema. Depois porque minha atual descrença com o mundo e as relações humanas me impede de embarcar em histórias de amor, a não ser que elas realmente sejam arrebatadoras. E esse não é o caso de "Contracorrente", um filme que começa bem, opta por seguir uma dispensável trama de realismo fantástico e tenta se reerguer no final diante do dilema do protagonista.
Miguel e Santiago se amam, mas um deles é casado e está prestes a ter um filho. A história já começa com o triângulo amoroso estabelecido e não perde tempo explicando demais a situação que envolve os três personagens principais: um pescador, sua esposa e um fotógrafo e pintor forasteiro. Mas essa escolha acertada do diretor Javier Fuentes-Léon é mínima diante de uma narrativa e dramaturgia pobres e de uma encenação amadora.
O que começa bem ganha rumos inesperados, e o filme perde a chance de abraçar uma série de possibilidades temáticas para se limitar a uma trama de realismo fantástico que constrangeria até Jorge Amado ("Contracorrente, aliás, tem um quê de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" que não convence). Diante dessa opção que enfraquece um conjunto já frágil, que apenas encosta em questões sociais e religiosas, "Contracorrente" perde-se em boas intenções e desperdiça a chance de ser um filme mais relevante do que realmente é.
Primeiro, porque o trailer do filme vende um produto que não está na tela do cinema. Depois porque minha atual descrença com o mundo e as relações humanas me impede de embarcar em histórias de amor, a não ser que elas realmente sejam arrebatadoras. E esse não é o caso de "Contracorrente", um filme que começa bem, opta por seguir uma dispensável trama de realismo fantástico e tenta se reerguer no final diante do dilema do protagonista.
Miguel e Santiago se amam, mas um deles é casado e está prestes a ter um filho. A história já começa com o triângulo amoroso estabelecido e não perde tempo explicando demais a situação que envolve os três personagens principais: um pescador, sua esposa e um fotógrafo e pintor forasteiro. Mas essa escolha acertada do diretor Javier Fuentes-Léon é mínima diante de uma narrativa e dramaturgia pobres e de uma encenação amadora.
O que começa bem ganha rumos inesperados, e o filme perde a chance de abraçar uma série de possibilidades temáticas para se limitar a uma trama de realismo fantástico que constrangeria até Jorge Amado ("Contracorrente, aliás, tem um quê de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" que não convence). Diante dessa opção que enfraquece um conjunto já frágil, que apenas encosta em questões sociais e religiosas, "Contracorrente" perde-se em boas intenções e desperdiça a chance de ser um filme mais relevante do que realmente é.
Assinar:
Postagens (Atom)