quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Série: Enlightened

Já disse aqui antes que a televisão estadunidense hoje em dia é bem mais interessante, tematicamente falando, do que o cinema hollywoodiano. Enquanto este está cada vez mais preocupado com fórmulas, bilheterias e certo apaziguamento ideológico do público, os produtos televisivos seguem um caminho diverso, apostando em temas ousados e abordagens inusitadas.

A nova série Enlightened é um exemplo dessa safra de filmes e seriados televisivos com personalidade e algo a dizer e que foge da padronização cinematográfica. Esqueça as continuações caça-níqueis, os filmes explosivos ou os triângulos amorosos sem sal entre vampiros celibatários, garotinhas inexpressivas e lobisomens depilados que pululam na tela grande. Aqui, temos humor inteligente, personagens perdidos e uma crítica contundente ao american way of life, algo que o cinema e a própria televisão já fizeram inúmeras vezes, mas é sempre bem-vindo quando feito com talento.
A primeira cena é emblemática e resume a proposta do seriado: Laura Dern é uma executiva que chora descompensadamente no banheiro da empresa. Ela acaba de ser transferida de setor e julga ser seu chefe, com quem teve um pequeno affair, o culpado de tudo.  À beira de um ataque de nervos, Amy (Dern) decide colocar tudo em prantos limpos, em alto e bom som para toda a empresa ouvir, com o chefe. Corta e, em poucos segundos, somos apresentados a uma nova Amy, que tenta ser uma pessoa melhor e mais preocupada com o mundo e próximo.

Em linhas gerais, o seriado é sobre esse processo de transformação da personagem, que tenta se apegar a uma mudança espiritual e de percepção do mundo para dar um rumo a sua vida. A relação com a mãe (Diane Ladd, mãe da atriz na vida real) e o ex (Luke Wilson) é conturbada. Ela não tem amigos no trabalho. E as frustrações profissionais são maiores do que ela pode aguentar. É a partir dessa personagem tragicômica que o plot da série se desenvolve e solta farpas sobre o mundo corporativo e a fragilidade das relações no mundo moderno.
Enlightened conquista pela honestidade com a que personagem é desenvolvida e as situações, retratadas. Depois de, supostamente, recuperada, Amy volta ao trabalho e é transferida para um setor cheio de losers dignos do universo de Todd Solondz (“Felicidade”). Perdida nessa nova fase da vida, a executiva fica presa em uma constante linha tênue entre o equilíbrio e o desespero.
Grande parte do fato da série ser narrativamente bem sucedida recai sob a atuação de Laura Dern (também criadora da série, em parceria com Mike White). A atriz não tem medo do ridículo e se entrega em devoção a um personagem que passeia pelo cômico, o dramático e o patético. O início e o final do terceiro episódio sintetizam o espírito da série. Amy narra em off a inveja que ela tem de algumas pessoas, felizes, bem-sucedidas e amadas, e se sente menor. Logo depois, se compara aos colegas do novo setor, estranhos, deslocados, feios, e, de certa fora, se sente aliviada.

É o paradoxo da personagem e o carisma da atriz para dar autenticidade a esses contrastes a grande sacada de "Enlightened". O melhor é que a série se sustenta mesmo parecendo ser apenas um veículo, com toques de auto-ajuda, para a atriz brilhar. Ela brilha, sim, mas a série também.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Apenas uma Noite


Assisti ao drama Apenas uma Noite em uma sessão bastante conturbada na Mostra Internacional de Cinema desse ano. O filme começou sem som e sem legendas. Interromperam tudo para ajeitar o som e achar as legendas, que nunca foram encontradas. O filme volta mesmo sem legendas, mas não do ponto que tinha parado. Nova interrupção para achar o ponto correto. A paciência de qualquer um vai para o espaço, claro. Diante de tantas circunstâncias, é óbvio que a apreciação do filme fica prejudicada.

A miscelânea de sotaques do elenco também não ajuda: Keira Knightley é a típica britânica com voz empostada; Sam Worthington fala para dentro em um ininteligível sotaque australiano; Eva Mendes também meio que fala para dentro; e o francês Guillaume Canet é quem melhor se faz entender. Fica difícil acompanhar tudo sem legenda, mas tento e me saio até que bem. Ainda assim, ou mesmo, talvez, por conta disso, cheguei ao final da sessão querendo dar outra chance ao longa.

E foi o que eu fiz. Coisa cada vez mais rara hoje em dia, revi o filme graças ao deus torrent. E, para minha surpresa, o filme da estreante Massy Tadjedin cresceu, e muito, na minha avaliação. Knightley e Worthington formam um casal lindo, rico e bem sucedido que mora em Nova York.

Depois de uma discussão banal por conta dos ciúmes dela em relação a um suposto desejo dele por uma colega de trabalho (Mendes), os dois se reconciliam e ele viaja a trabalho. Enquanto na Filadélfia, ele tem que lidar com a atração pela colega de trabalho, que não hesita em dar em cima do rapaz; em Nova York, ela reencontra uma antiga paixão (Canet).

Com uma trama com poucos personagens e muitos diálogos, a direção de Tadjedin evita que o filme vire uma produção com limitações teatrais ou mesmo verborrágica demais. Com um olhar elegante, aliada a uma edição competente que transita muito bem entre as relações estabelecidas à distância entre o marido e a esposa, a diretora constrói um belo filme que evita o piegas e as respostas fáceis.

Ainda que, de certa forma, reproduza os clichês do que se espera do comportamento masculino e feminino em relação ao desejo extraconjugal, “Apenas uma Noite” se sobressai como um drama maduro, com certo toque europeu sobre as relações. A fotografia minimalista, a trilha sonora precisa de Clint Mansell (que vai na contramão do que o rapaz fez em produções como “Réquiem para um Sonho” e “Cisne Negro”) e o charme do elenco fazem o resto.

Longe de ser um drama fácil ou mesmo pesado sobre relacionamentos, Apenas uma Noite é um filme melancólico que versa sobre escolhas e como elas muitas vezes afetam, para o bem e para o mal, o outro. É um filme maduro, sem grandes cenas dramáticas, mas cheio de olhares e coisas não ditas.

Para os acostumados à exacerbação do drama, o longa pode parecer frio e metido à intelectual, e talvez até seja graças à suntuosidade da encenação (com direito a lofts espaçosos e conversas sobre viagens a Europa). Mas não dá para negar que Tadjedin e os atores fazem com que tudo soe verdadeiro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Cinema nacional: Os 3

O cinema nacional tem muitos problemas. Talvez problemas até demais, sendo impossível citá-los todos em apenas um texto de um blog que ninguém lê. Um problema evidente é o fato de ele ser tematicamente limitado, dificilmente saindo dos formatos que ele mesmo impôs para si: a comédia genérica, hoje relegada às produções paupérrimas da Globo Filmes; as produções que abordam o tema da violência social por meio de um viés sociológico cansativo e chato; e o filme do sertão, quase uma versão nacional do faroeste, o gênero estadunidense por excelência.

Raros são os exemplares que fogem desse caldeirão limitante de óticas, e os poucos que conseguem se libertar dessas limitações ou caem na vala sem fim dos filmes de autor que ninguém vê/suporta ou simplesmente não encontram seu público. O principal mérito de Os 3, talvez seja, justamente, buscar um caminho diferente, ainda que não represente nada de novo, cinematograficamente falando.

O filme de Nando Olival é quase uma versão nacional do bacaninha Três Formas de Amar, que fez relativo sucesso no início dos anos 90 ao mostrar um triângulo amoroso limpinho e quase assexuado entre três amigos: uma garota e dois rapazes. Tire a trilha sonora pop do filme hollywoodiano, acrescente um sotaque paulista e uma suposta crítica aos reality shows e temos o longa (nem tão longo assim) brasileiro.

Muito se fala sobre a falta de bons roteiristas no cinema nacional, mas é também evidente a carência de bons diretores, profissionais daquele tipo que não necessariamente precisam ser autores, mas sabem conduzir cenas e filmar de modo articulado e que beneficia a narrativa. “Os 3”, para a sorte do espectador, não sofre desse defeito e grande parte do seu charme reside na desenvoltura fílmica de Olival, que sabe onde colocar a câmera, monta com precisão e dá uma cara moderna ao longa sem, necessariamente, transformá-lo em uma experiência estética estonteante e oca.

O carisma dos três atores principais também ajuda, compensando até alguns defeitos evidentes da produção. Seja a falta de uma propósito para a questão dos reality shows, que funciona como mote, mas parece ser jogada apenas para dar estofo a uma história que é apenas banal. Seja a ausência de autenticidade na interpretação dos atores mais velhos e de um desfecho mais marcante e amarrado. Ou mesmo uma narração em off que colocaria tudo a perder se fosse mais utilizada. Todas essas falhas são meio que deixadas de lado graças à simpatia que o filme emana.

No final da história, “Os 3” é aquele típico filme médio que tanto faz falta ao cinema nacional. As pretensões são pequenas e não se colocam à frente da trama. O resultado não vai mudar sua vida, mas é satisfatório e um prazer de ser visto. O filme pode até ser considerado uma bobagenzinha, mas é filmado com tanto empenho e boas intenções que é quase impossível sair do cinema indiferente a ele, mesmo que depois ele não deixe muitas marcas na memória.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A Pele que Habito

Filmes de Pedro Almodóvar são quase seres sagrados. Fazem parte daqueles poucos títulos que são obrigatórios e sempre geram controvérsia, para o bem e para o mal. Nesse sentido, por mais diferentes que sejam, Almodóvar não deixa de lembrar o cineasta nova-iorquino Woody Allen. Os dois são amados e odiados em proporções similares e, a cada nova obra, geram uma expectativa nem sempre cumprida. Almodóvar pode não filmar (e errar) tanto quanto Allen, que lança um filme praticamente todo ano, mas é tão amado, desejado, odiado e rejeitado quanto.

A Pele que Habito é, então, um prato cheio para gerar controvérsias, amores, ódios, raivas e paixões. É um filme que, aparentemente, foge um pouco ao que o cineasta espanhol vem fazendo nos últimos trabalhos, mas que nem por isso deixa de ser uma obra almodovariana em sua essência. As cores fortes e os sentimentos exacerbados podem não estar tão visíveis a primeira vista, mas a mistura do bizarro e do melancólico se faz presente de um modo que só encontramos na filmografia do diretor.

O novo filme de Almodóvar começa sem muita força, apresentando sua trama de forma aleatória em sem impacto. Somos apresentados a um cirurgião plástico (um Antonio Bandeiras um tanto gélido demais) que mantém em cativeiro uma mulher. A relação entre os dois não é amigável, mas não é hostil. E assim também é a relação do espectador com o filme. Se o início do longa não mostra a que veio, sempre resta a esperança por aquela ser uma obra de Almodóvar, então os rumos podem mudar.

E eles mudam. A partir da segunda metade da película, a trama antes dispersa e sem força vai ganhando sentidos e prendendo a atenção do público, envolto entre mortes, seqüestros, estupros e outras coisas comuns ao universo almodovariano. “A Pele que Habito” vai ganhando assim novas leituras, e o bizarro e o melancólico começam a se mesclar de um modo que não deixa o espectador tomar fôlego.

A tal reviravolta do filme pode não ser nenhum grande mistério. E mesmo a frieza e a falta de empatia que sentimos pelos personagens podem dar a entender que Almodóvar erra a mão ao tentar retomar um terreno que ficou no seu passado fílmico. Mas o cineasta é um grande esteta audiovisual e sabe contar histórias por meio de imagens e sons, o que torna até seus possíveis erros como produtos relevantes em alguns aspectos.

Ainda longe da forma que o consagrou em produções como “Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos”, “Carne Trêmula”, “Tudo sobre Minha Mãe” e “Fale com Ela”, “A Pele que Habito” é bem superior a filmes mais problemáticos como “Má Educação” e “Abraços Partidos”. Mesmo sem cenas memoráveis e mais impactantes, visualmente ou emocionalmente, “A Pele que Habito” é um belo exercício de cinema, seja como um filme de horror sem gritos e sustos, como desejava o diretor, seja como um melodrama em um tom menor. Uma versão de Frankenstein dirigida pelo espanhol não seria melhor que “A Pele que Habito”.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Contágio

É muita incompetência de um diretor juntar um elenco de estrelas, como as presentes em Contágio, em meia a uma trama por si só tensa e, ainda assim, fazer um longa genérico e sem personalidade. Pois Steven Soderbergh conseguiu. Apesar de estar com a faca e o queijo na mão, o cineasta desperdiça a chance de fazer um filme tenso e que fugisse do clichê. Mas não. A única diferença entre "Contágio" ou Epidemia, por exemplo, para citar uma produção de premissa semelhante, é a pretensão. E "Contágio" perde na comparação.

Ainda que o filme de Soderbergh seja melhor produzido e cientificamente embasado do que o de Wolfgang Petersen, o longa protagonizado por Dustin Hoffman e Rene Russo é mais interessante em sua tensão e aposta mais na ação do que no papo furado, ou seja, é mais honesto com o espectador. Já a proposta de "Contágio" nunca chega a concretizar, e o filme se perde enquanto um mosaico sem força de várias histórias que poderiam ser relevantes, mas nunca empolgam.

Algumas decisões, a princípio, parecem acertadas, mas se mostram equivocadas a medida em que a história se desenvolve. A principal delas é a decisão do diretor em estilhaçar a narrativa em muitas tramas que pouco envolvem. O fato do filme começar sem rodeios não ajuda, já que nunca desenvolvemos nenhum tipo de empatia com os personagens.

Nem mesmo o desfile de rostos conhecidos favorece. Kate Winslet, Jude Law, Matt Damon, Laurence Fishburne, Gwyneth Paltrow e Marion Cotillard são meras peças sem um pingo de carisma em um tabuleiro sem ritmo ou importância. Perdido entre o registro humano e o científico, "Contágio" desperdiça talentos e não funciona nem como o retrato da paranoia, um caminho que o longa parece apontar, mas abandona sem assumir um novo rumo.

Filmado com certo esmero, "Contágio" não tem a coragem nem de ser um filme ruim. A produção é caprichada, a fotografia cumpre seu papel e a trilha sonora eletrônica tenta dar tensão a imagens sem nenhuma emoção. Até a montagem segue o mesmo caminho, de certa forma, buscando salvar a produção do limbo, atribuindo certa coerência à colcha de retalho de tramas e personagens. As intenções são boas, o resultado nem tanto.

Alguns podem até tentar resguardar o cineasta da culpa, alegando que a história é batida e já foi contada outras vezes no cinema. Mas hoje, com um repertório de quase 120 anos de cinema, que história ainda não foi? Infeciente enquanto um produto questionador, um filme de ação ou suspense e até mesmo como uma mera produção de entretenimento, "Contágio" entra e sai de cartaz sem dizer a que veio. Soderbergh já fez melhor. E vários outros filmes com temáticas semelhantes também. Típico caso que vale mais a pena ver o trailer do que o longa.