O fato do longa ser protagonizado pelos belos Ethan Hawke (que já fazia parte do meu imaginário de namorado ideal desde “Sociedade dos Poetas Mortos”) e Julie Delpy só dava um gostinho a mais ao filme. A direção de Richard Linklater, os diálogos inteligentes, as atuações naturais e a construção de um romance com prazo de validade transformaram a produção em cult.
Nove anos depois, lá em 2004, eis que Jesse (Hawke) e Celine (Delpy) se encontram novamente para responder as perguntas deixadas em aberto pelo primeiro filme. Já namorando e longe da virgindade (amém!), assisti a Antes do Pôr do Sol acompanhado do namorado, prestes a mudar de cidade e dar tchau ao romance. A idealização dos dois jovens na casa dos vinte e poucos anos descobrindo a vida dá lugar a uma pontada de amargura de adultos na perigosa casa dos 30 que seguiram rumos diferentes, nem sempre tomando as decisões certas.
Sai Viena, entra Paris. Um dia se transforma em poucas horas. E Jesse e Celine conversam sobre eles, a vida e a existência terrestre. Ele é um escritor casado e com um filho pequeno. Ela, uma ambientalista um tantinho neurótica. Os dois não são mais os mesmos, mas o romance, a esperança e a química continuam no ar (a cena dele revendo Celine é tão simples e bela que faz chorar). O filme, claro, termina mais uma vez em aberto, deixando várias portas abertas.
Portas que se fecham em Antes da Meia-Noite, que aparentemente conclui a trilogia e coloca novamente os dois personagens no centro das discussões. De cara o trailer já responde algumas perguntas: os dois estão juntos, têm filhos e visitam de férias a Grécia. Na beira dos quarenta anos, Jesse se ressente pela distância do filho do primeiro casamento, e Celine se sente frustrada no trabalho e como mãe. A partir daí, ambos colocam sua relação em xeque, transformando o novo longa em uma grande DR que termina, ao contrário dos trabalhos anteriores, de modo bem claro. A maturidade exige clareza e não joga com sugestões.
Já eu, assisti ao filme sozinho, ensanduichado por dois casais de namorados héteros. O que, talvez, reflita muito sobre meu atual estado de descrença em um mundo gay cujas relações são mais balizadas por apps e sites de relacionamentos do que por encontros reais e espontâneos.
Parte da magia da trilogia criada por Linklater, Hawke e Delpy (os atores assinam junto com o diretor o roteiro dos dois últimos filmes) é que ela é tão real que dói. Jesse e Celine são personagens criveis vivendo e discutindo situações corriqueiras. Os filmes também são reflexos de um tempo. Jesse e Celine decidem não trocar contatos quando se conhecem, lá pelo meio dos anos 1990, um tempo em que celulares eram escassos, emails eram praticamente inexistentes e redes sociais que aproximavam pessoas não eram nem mesmo uma possibilidade.
Em 2004, quando os dois se
reencontram, o mundo é outro e parte dessas mudanças está presente no
comportamento e nos diálogos que os dois mantêm em Paris. Do encontro que surge
a partir da nota de um lançamento de um livro em um jornal ao fato corriqueiro
da perda de um voo, algo que já foi bem mais estressante no passado, Linklater
mostra ao seu público que o mundo não é mais o mesmo, muito menos seus
protagonistas.
Em 2013, Celine não larga seu iPhone e as relações parecem estar cada vez mais efêmeras. Isso fica claro no discurso dos personagens, principalmente na cena do jantar, quando diferentes gerações questionam e debatem as diversas formas de amor e como a própria percepção do que é amar se alterou com o passar do tempo. O casal mais jovem serve até como contraponto à história de Jesse e Celine, já que os dois mais jovens se conheceram em uma festa, moram em cidades diferentes, mas conseguem se manter próximos graças às facilidades de um Facebook ou Skype de plantão.
No final, a trilogia de Richard Linklater e a história de Jesse e Celine são sobre mim, você e todos nós. São três filmes sobre relacionamentos e como estes evoluem ao longo do tempo (o nosso e o tempo de um modo mais amplo). São três longas que constroem um relacionamento que eu e muita gente nunca foi capaz de construir. Alguns filmes são mais do que filmes. Eles podem revelar mais sobre nós do que muitas palavras, gestos ou atitudes. E Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight, cada um a seu modo, revelam mais sobre mim do que eu mesmo gosto de revelar.