Alguns filmes têm tudo para acontecer, mas, por alguma razão nem sempre expicável, não acontecem. Entre Segredos e Mentiras é um desses filmes. O elenco é interessante, bonito, carismástico e talentoso. O diretor tem pelo menos um grande filme na bagagem (o documentário Na Captura dos Friedman). E a trama é envolvente e ainda tem o plus de ser baseada em uma história verídica. Há elementos dramáticos, de romance, suspense e tensão. Mas o que no papel e no trailer parecem interessantes, resultam sem graça na tela grande.
Grande parte da culpa é mesmo do diretor Andrew Jarecki´s, aqui estreando em longa de ficção. Elogiado documentarista, o cineasta não demonstra a mesma desenvoltura na ficção, ainda que a história seja inspirada em eventos reais. O primeiro pecado do diretor é não saber misturar os elementos que tem em mãos, transformando seu filme em uma obra esquizofrênica que vai mudando de tom a medida que se desenvolve. O romance ensolarado do início dá lugar a um drama psicológico sobre a relação doentia entre um jovem casal, culminando em um climax sem graça sobre uma investigação com cara de filme de tribunal feito para a televisão.
O fato do diretor nem mesmo tentar esconder seu ponto de vista sobre a trama também pesa contra o filme. Da construção do personagem de Ryan Gosling como um sociopata prestes a virar um psicopata passando pelos flashbacks e uma suposição sobre os rumos do crime que pontuam o longa durante toda sua duração, Jarecki´s não deixa o menor espaço para a imaginação da plateia, transformando uma trama complexa e rica em um filme simplório e moralmente chapado.
Ryan Gosling até tenta dar estofo ao seu personagem, mas a má construção do filhinho de papai, traumatizado por ter presenciado o suicídio da mãe e que de namoradinho carinhoso se transforma em um marido violento, não ajuda. A péssima caracterização do mesmo no terceiro ato do filme só piora tudo e deixa Entre Segredos e Mentiras com cara de arremedo de Psicose. A presença deslocada de Frank Langella, um ator interessante aqui repetindo trejeitos, não ajuda. A salvação da lavoura é Kirsten Dunst, atriz geralmente pouco reconhecida que entrega uma interpretação carismática que funciona como a alma de um filme frio e calculista como, aparentemente, seu personagem principal.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Cinema: Contra o Tempo
Depois do interessante "Lunar", Duncan Jones, para alguns o filho do ícone David Bowie, demonstra que é realmente um bom diretor de cinema com o thriller de ficção científica Contra o Tempo. Com um ritmo ágil e soluções visuais interessantes, o cineasta aproveita ao máximo a premissa circular do filme para criar tensão e despertar a atenção do público.
Pena que o empenho de Jones seja desperdiçado graças a uma mudança de postura e ritmo do longa. O que começa como um bom exercício de ação, ganha, da metade para o final, um tom mais solene e de redenção que quase coloca tudo a perder. Antes, o que era, de certa forma, original e ousado, se tranforma em uma narrativa convencional e que afunda muito no clichê e no piegas.
O filme ganha força logo no início, ao jogar o espectador no meio da trama sem muitas explicações ou apresentação de personagens. A estrutura repetitiva se sustenta em parte pela mão firme de Jones, que vai apresentando novos elementos ao público e avançado a narrativa, em parte pela competência dos atores, dos carismáticos Jake Gyllenhaal e Michelle Monaghan à competente Vera Farmiga, que vai muito além em um papel bastante limitado.
Os furos de lógica vão se acumulando, mas são deixados de lado em virtude da força e vigor narrativo da produção. À medida em que o convencional toma conta do longa, os furos, antes minimizados pelo envolvimento na trama, vão ganhando novas dimensões e comprometendo o desenrolar da história. O vilão nunca chega a ser uma surpresa, e as mudanças de comportamento dos personagens também não faz muito sentido, ainda que o roteiro tente justificá-las de alguma forma.
O resultado é um filme divertido e até empolgante, mas que poderia ser muito mais. As concessões hollywoodianas acabam diminuindo o potencial da produção. Mas, ainda, assim, "Contra o Tempo" funciona para pavimentar o caminho de Duncan Jones na indústria cinematográfica. Com o roteiro certo em mãos, o cara pode ir muito longe.
Pena que o empenho de Jones seja desperdiçado graças a uma mudança de postura e ritmo do longa. O que começa como um bom exercício de ação, ganha, da metade para o final, um tom mais solene e de redenção que quase coloca tudo a perder. Antes, o que era, de certa forma, original e ousado, se tranforma em uma narrativa convencional e que afunda muito no clichê e no piegas.
O filme ganha força logo no início, ao jogar o espectador no meio da trama sem muitas explicações ou apresentação de personagens. A estrutura repetitiva se sustenta em parte pela mão firme de Jones, que vai apresentando novos elementos ao público e avançado a narrativa, em parte pela competência dos atores, dos carismáticos Jake Gyllenhaal e Michelle Monaghan à competente Vera Farmiga, que vai muito além em um papel bastante limitado.
Os furos de lógica vão se acumulando, mas são deixados de lado em virtude da força e vigor narrativo da produção. À medida em que o convencional toma conta do longa, os furos, antes minimizados pelo envolvimento na trama, vão ganhando novas dimensões e comprometendo o desenrolar da história. O vilão nunca chega a ser uma surpresa, e as mudanças de comportamento dos personagens também não faz muito sentido, ainda que o roteiro tente justificá-las de alguma forma.
O resultado é um filme divertido e até empolgante, mas que poderia ser muito mais. As concessões hollywoodianas acabam diminuindo o potencial da produção. Mas, ainda, assim, "Contra o Tempo" funciona para pavimentar o caminho de Duncan Jones na indústria cinematográfica. Com o roteiro certo em mãos, o cara pode ir muito longe.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Cinema: Não tenha medo do escuro
Minha vida é mais assustadora do que Não tenha medo do escuro. Essa poderia ser apenas uma frase de efeito, mas é a mais pura verdade. O filme, escrito e produzido por Guillermo Del Toro, não tem nada de assustador e fica perdido entre o exagero barroco de sua encenação e uma comicidade involuntária.
A boa e velha trama da casa mal assombrada é desperdiçada do início ao fim no filme de Troy Nixey, um desconhecido que se mostra totalmente inapto para criar um mínimo de clima e tensão. O roteiro também não ajuda, convenhamos. A história gira em torno de uma menininha, abandonada pela mãe e meio deixada de lado pelo pai workaholic, que passa a escutar vozes em uma mansão com direção de arte mal feita.
Mal amarrado e cheio de incongruências narrativas, o filme nunca evolui e tudo parece sem graça e feito de forma amadora. A trilha sonora qualquer coisa, um problema grave em um filme de terror, e a fotografia escura e sem um pingo de criatividade só não são piores do que as atuações genéricas de Katie Holmes e Guy Pearce.
A tal da menininha assombrada até tenta impor certa credibilidade ao filme, mas a personagem dela é tão burra que gera mais raiva do que empatia. A própria mitologia em torno dos “vilões” da produção não desperta a menor curiosidade, e as criaturinhas são meros Gremlins do mal, sem o mesmo carisma, claro. Depois de um clímax histérico e uma resolução de quinta que abre espaço para continuações, “Não tenha medo do escuro” é a prova de que só pompa não é suficiente para fazer um filme de terror. Tirando UMA cena realmente interessante em termos visuais e narrativos (envolvendo lençóis, uma máquina fotográfica polaróide e a tal garotinha), o longa é uma tremenda decepção, que só aumenta graças ao envolvimento de Del Toro no projeto.
Sim, infelizmente, minha vida tem menos furos de roteiro e é bem mais assustadora do que “Não tenha medo do escuro”.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Livro: a arte de voltar a ler
Eu já li mais. Nem tenho muitas desculpas para afirmar que hoje leio menos por causa da vida e tals. Tempo eu tenho de sobra, mas acabei optando por outras atividades que não a leitura. Às vezes me recinto disso, mas não costumo fazer muita coisa para reverter a situação. Mas enfim, não adianta muito ficar reclamando. Apenas acontece. Nem todo mundo vai morrer já tendo lido clássicos ou obras obscuras, Dostoievski, James Joyce, Jane Austen ou mesmo aquele best-seller do cão que não acrescenta nada a sua vidinha ordinária.
Mas outro dia eu li. Li um livro inteiro. E com mais de 400 páginas, olha que bonito! Estava eu sem fazer nada em um aeroporto qualquer, esperando um voo que ainda ia demorar a decolar quando entrei em uma dessas livrarias genéricas e resolvi comprar um livro, ainda que ele fosse caro. Já tinha ouvido falar do livro e ele estava na minha extensa lista, que nunca diminui, de coisas que eu deveria ler antes de morrer. Numa decisão súbita, comprei o livro e comecei a ler ali mesmo, no aeroporto e, depois, no avião, no céu entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas outro dia eu li. Li um livro inteiro. E com mais de 400 páginas, olha que bonito! Estava eu sem fazer nada em um aeroporto qualquer, esperando um voo que ainda ia demorar a decolar quando entrei em uma dessas livrarias genéricas e resolvi comprar um livro, ainda que ele fosse caro. Já tinha ouvido falar do livro e ele estava na minha extensa lista, que nunca diminui, de coisas que eu deveria ler antes de morrer. Numa decisão súbita, comprei o livro e comecei a ler ali mesmo, no aeroporto e, depois, no avião, no céu entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Passei a semana inteira lendo. Quase me obriguei a ler pelo menos um capítulo por dia, antes de dormir que fosse. Alguns dias eu lia mais de um. Outros me dava por satisfeito em apenas cumprir minha meta. Me senti melhor por retomar o hábito da leitura, ainda que ler um livro não signifique que eu esteja voltando a ler como outrora. Aliás, nem me lembro se algum dia eu fui mesmo um leitor voraz. De histórias em quadrinhos, talvez. Hoje, de revistas e blogs. Mas não é a mesma coisa, convenhamos.
Para quem ficou curioso, a trama do livro em questão gira em torno de um casal de amigos. Ele meio metido, riquinho e galã. Ela uma moça normal, com baixa autoestima, dona de um sotaque carregado e uma personalidade um tanto sustentável, antes mesmo do termo ser inventado. O livro percorre vinte anos, sempre narrando os acontecimentos dos dois ao longo de um dia: 15 de julho de algum ano, de 1988, quando se conhecem, em diante.É um livro fácil de ler. Texto ágil, cheio de referências à cultura pop. Um fácil exercício de nostalgia para quem já passou dos 30 e viveu os anos retratados no livro. Se for para enquadrar, poderíamos dizer que é literatura pop, tipo Nick Hornby ou André Takeda, para citar um nome nacional. Para quem não gosta de classificações, é apenas um bom livro, despretensioso, mas de qualidade.
A estrutura fragmentária é interessante e se sustenta, seja pelo carisma dos personagens (Dexter e Emma), seja pelo talento do autor para conduzir as tramas e inserir os flashbacks no momento correto. O livro pode ser um tanto desonesto em sua parte final, até apelando para o clichê e o piegas. Mas quem se importa quando a jornada de leitura é tão prazerosa. A quem interessar possa, o livro se chama Um Dia, escrito por David Nicholls, e já virou filme que, a julgar pelo trailer (você pode conferir aqui), tem tudo para ser uma bomba.
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