quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Cinema: Um romance bom, um romance ruim


Romances são uma constante na tela grande. Às vezes eles vêm embalados como comédias, outras como dramas, muitas vezes são diluídos em filmes de gênero como coadjuvantes de tramas de ação, espionagem ou terror. Vez ou outra os romances comovem. Muitas vezes não dizem nada e passam batido. Mas não dá para negar que romances, com finais felizes ou trágicos, são essenciais ao mundo do cinema, sejam os que arrebatam, sejam aqueles inexplicáveis. Vi recentemente dois exemplares desse “macro gênero” presente no cinema, literatura, música pop, televisão etc.  Dois filmes que não poderiam ser mais diferentes entre si, mesmo partindo do mesmo princípio: duas pessoas que se encontram, apaixonam-se e têm as vidas transformadas.

Inquietos adota um tom pastel, seja na fotografia, seja na encenação. É um romance que foge da dramaticidade exacerbada. No filme de Gus Van Sant, garoto com problemas encontra garota com câncer. A identificação entre ambos é imediata, mas o relacionamento tem prazo de validade. Nas mãos de outro diretor, o filme poderia ser um melodrama lacrimoso, cheio de momentos dramáticos e atuações em tom maior. Mas Van Sant prefere adotar outro registro. O filme é pausado e a impressão que fica é que a câmera lenta prevalece. Nada parece realmente acontecer, ainda que aconteça.
Para aqueles que desconhecem a obra do diretor, esse modo de filmar um tanto frio e impessoal pode parecer estranho e causar certo incômodo, principalmente graças à temática que pede drama, gritos e lágrimas. Mas quem já viu filmes como “Elefante” e “Os Últimos Dias” consegue ver certa beleza nas imagens-clichê que desfilam pela tela.

Ajuda o fato da química entre o belo Henry Fonda e a feia Mia Wasikowska funcionar e casar com a proposta da produção. O tédio e os gestos blasés dos dois combinam com a aura estabelecida por Van Sant, que lança um olhar delicado sob o encontro entre dois jovens que não têm muito futuro pela frente. Existe poesia na tristeza, e Van Sant sabe retratar isso como poucos.
Um dia segue caminho totalmente oposto. Adaptado do livro homônimo de David Nicholls, um descompromissado exemplar de literatura pop com uma premissa interessante e narrativa envolvente, o filme de Lone Scherfig pega tudo que funciona no papel e desperdiça na tela grande (o mais surpreendente é que a adaptação do roteiro para o cinema foi feita pelo próprio autor do livro).

Anne Hathaway e Jim Sturgess formam o casal sem sal desse típico exemplo de como o cinema pode destruir uma ideia interessante (sim, eu sei que literatura é literatura e cinema é cinema, mas a merda aqui é grande!). A proposta é apresentar o relacionamento entre dois amigos ao longo de 20 anos, sempre no mesmo dia: 15 de julho. O resultado é química zero entre Hathaway (péssima) e Sturgess (esforçado); um roteiro cheio de clichês e frases de efeito que não funcionam; e uma narrativa emperrada e que transforma a premissa do livro em uma aberração audiovisual.
Responsabilizar somente Hathaway e Sturgess pelo equívoco do longa seria fácil. Nicholls tem parte da culpa por não saber dar vida no cinema ao que ele mesmo escreveu. A estrutura do filme é esquemática (a do livro também é, mas a mídia é outra), e todos os diálogos, ironia e referências pop do livro são assassinados graças a uma montagem primária e infeliz que transforma as cenas em meros esquetes sem ligação.

A direção qualquer coisa de Lone Scherfig é outro pecado capital do filme. Responsável pelo genérico “Educação” (filme elogiadíssimo e que chegou a ser indicado ao Oscar, mas que só será lembrado no futuro graças à atuação de Carey Mulligan), a diretora não sabe o que fazer com o material que tem em mãos e escolhe o caminho mais fácil: o do melodrama barato e machista (é a mulher que sofre, é a mulher que abre mão, é a mulher que é punida).
Comparar “Inquietos” com “Um Dia” chega a ser injusto. Enquanto o primeiro toca, mesmo adotando um registro monocromático abaixo do tom, o segundo apela para todas as artimanhas melodramáticas e não consegue causar nenhuma empatia. O primeiro usa os figurinos e a fotografia para emoldurar um romance quase glacial entre dois jovens que vivem em realidades paralelas. O segundo usa a premissa do “o mesmo dia ao longo de 20 anos” como mera desculpa para colocar os atores em trajes e penteados constrangedores que não acrescentam em nada à narrativa.

Em comum, os dois filmes terminam tragicamente, ainda que representem a tristeza de formas diferentes. O primeiro é um registro lírico de como um simples encontro pode nos afetar. O outro mostra a mesma coisa apelando para o piegas.  O talento presente no primeiro é o talento desperdiçado no segundo.

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