segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Cinema: 12 Anos de Escravidão

A força de 12 Anos de Escravidão está toda em seu tema. A trajetória de Solomon Northup de homem livre a escravo é digna de nota e contém todos os elementos necessários para ser um bom filme (drama, tensão, horror, redenção) e levantar questões sobre a escravidão, questões que ecoam ainda hoje. Mas, de certa forma, o diretor Steve McQueen desperdiça a chance de transformar essa trajetória em grande cinema e se limita a fazer o básico.

Depois de dois filmes mais intimistas e ousados ("Hunger" e "Shame"), apoiados nos dramas de um único personagem, McQueen envereda aqui por um caminho mais épico e clássico. Por meio de uma narrativa bem quadrada e demarcada, acompanhamos o sofrimento de Solomon (ou Platt) em um tempo em que ser negro era pior do que ser nada. Na visão de McQueen, “12 Anos de Escravidão” tem seus heróis e vilões bem caracterizados e o bem e o mal nunca se confundem, o que acaba diminuindo um pouco a importância do longa (o único personagem que foge do esquema maniqueísta é o fazendeiro vivido por Benedict Cumberbatch).

Apesar de amparado por ótimos atores, Freeman (Paul Giamatti), Tibeats (Paul Dano), Edwin Epps (Michael Fassbender) e Mistress Epps (Sarah Paulson) são tão vilanescos quanto qualquer outro vilão de um filme de super-heróis. E ainda que traga uma encenação bem realista (diferente, por exemplo, de “Django Livre”, que trata de tema semelhante de forma mais carnavalesca), essa opção do cineasta por adotar extremos acaba por afastar o espectador da obra. As cenas de chicoteamento e maus tratos são fortes e incômodas, mas perdem impacto porque parecem apenas um percalço corriqueiro antes da redenção final em que o bem supera o mal.

Outro pecado de McQueen é, muitas vezes, usar o fato de Solomon ser culto, letrado e sofisticado como um fator que agrava mais ainda o cerceamento de sua liberdade. Solomon é o centro das atenções e o olhar do diretor é mais condescendente em relação ao personagem, sempre de olhos arregalados diante do horror que é obrigado a assistir, muitas vezes sem participar dele (mesmo enfrentando de frente, sem grandes consequências, seus algozes). É como se o sofrimento de Solomon (vivido pelo ótimo e intenso Chiwetel Ejiofor) fosse maior do que os outros negros que nunca tiveram acesso à liberdade.

O filme também perde impacto porque a questão temporal nunca fica clara. Quando Solomon é sequestrado, é casado e pai de duas crianças. Quando os reencontra, depois de todos os percalços de sua vida, aquelas duas crianças já são adultos e Solomon, avô. Mesmo o título entregando que foram 12 anos de cárcere, o longa não trabalha bem a passagem do tempo. Os personagens não envelhecem, e a decadência de Solomon é mais perceptível pelo olhar do que por seu físico.

A bela fotografia e a direção de arte realista ajudam a minimizar os problemas pontuais da produção. A trilha sonora é envolvente e funciona muito bem para demarcar os momentos mais dramáticos e/ou tensos. Mas, ainda que seja um longa importante e essencial por retratar de modo tão real um tema do passado que reverba até hoje, “12 anos de escravidão” perde força graças um tratamento audiovisual sóbrio e solene demais. No final das contas, o filme se destaca mais por relevar certa hipocria do público. “12 anos de escravidão” é aquele típico longa que deixa o público elitista, classe média, reacionário e homofóbico perplexo e horrorizado sem perceber que seu desprezo, maus tratos e preconceito são as chicotadas dos dias de hoje.  

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