segunda-feira, 27 de maio de 2013

Televisão: série X minissérie

The Americans foi uma das grandes revelações entre as novas séries que estrearam no começo do ano. Já Top of the Lake deixou certa impressão de decepção. A primeira conseguiu a proeza de, em 13 episódios, fazer frente a outro seriado com temática similar (o elogiadíssimo “Homeland”) e ainda deixar para trás nossa ideia contemporânea de produções sobre espionagem (ritmo acelerado, alta tecnologia e viagens pelo mundo afora, tudo culpa do novo James Bond e do energético Jason Bourne). A minissérie de sete episódios produzida pela cineasta Jane Campion estreou cheia de pompa, foi comparada ao cult “Twin Pinks” (de outro diretor/produtor egresso do cinema, David Lynch) e morreu na praia, apesar da realização competente.

Criada por Joseph Weisberg, novato no ramo que escreveu apenas alguns episódios de “Damages” e “The Falling Skies”, The Americans volta no tempo da Guerra Fria para mostrar a rotina de um casal de agentes russos infiltrados no subúrbio de Washington nos anos 1980, em plena Era Reagan. Elizabeth e Philip foram recrutados ainda cedo para viverem um casamento de fachada e espionar o inimigo norte-americano de perto, no próprio solo ianque. Com dois filhos adolescentes, a cada episódio, o casal enfrenta uma nova missão que envolve sequestros, mortes, sabotagem e por aí vai.
 
O grande acerto da série é nunca esquecer que tanto Elizabeth quanto Philip são seres humanos que vivem a vida de um casal comum e enfrentam problemas banais do dia a dia. Mesmo sendo uma série norte-americana, bancada por um canal norte-americano, Weisberg trata os personagens russos com respeito e nunca os retrata como vilões. Nós, do lado de cá da tela, sempre tão acostumados a ver filmes, séries e qualquer tipo de produção retratando o heroísmo estadudinense, seguimos a mesma lógica, ficamos em cima do muro e torcemos pelo casal ao mesmo tempo em que temos simpatia pelos agentes da CIA que correm atrás da dupla.
Apesar da história envolvente, cheia de idas e vindas no tempo para explicar o passado dos protagonistas, e de uma dramaturgia que cresce a cada episódio, chegando ao final com vários ganchos para a segunda temporada, o sucesso da série é decorrente do ótimo trabalho do elenco. Keri Russell (a eterna Felicity) e Matthew Rhys (de “Brothers & Sisters”) se saem muito bem como o casal de espiões, despertando carisma e transmitindo os sentimentos confusos de duas pessoas que vivem uma vida de mentira da forma mais verdadeira possível. O elenco de apoio não fica atrás. Noah Emmerich, Annet Mahendru, Alison Wright e Margo Martindale interpretam personagens duros, sofridos e que vivem sob a sombra da disputa entre dois países e dois ideais.
 
O ótimo elenco também é a grande força de Top of the Lake, mas não há carisma ou tensão aqui. Sempre versando sobre o universo feminino, Jane Campion se arrisca na televisão com essa minissérie que leva o público aos confins da Nova Zelândia para, junto com a detetive Robin, desvendar o paradeiro de uma garota grávida e desaparecida em uma gélida e isolada região. Claro que Robin, que nasceu e cresceu ali e está voltando da Austrália, enfrentará o preconceito local e descobrirá uma série de esqueletos no armário em sua investigação.
Ainda que já tenha trabalhado com o suspense no injustiçado “Em Carne Viva”, Campion perde tempo demais na caracterização dos personagens e na ambientação e cria uma produção visualmente interessante, mas que se arrasta em sua proposta. Com uma bela fotografia e uma trilha sonora marcante, a minissérie fica devendo não apenas em tensão, mas no desenvolvimento da trama. Fugindo de uma abordagem mais melodramática, Campion desperdiça personagens, abandona ideias e entrega um final apressado e que deixa a desejar.
 
A maior prova da aura de decepção que impregna a produção é a personagem da atriz Holly Hunter, uma espécie de guia espiritual que comanda uma comunidade de mulheres que se instala à beira de um lago para repensar a vida. A comunidade não acrescenta em nada à história, que mistura pedofilia, abuso sexual, drogas e segredos familiares, e a interpretação de Hunter (uma atriz talentosa que teve com Campion um de seus maiores sucessos, “O Piano”) fica restrita a uma caricatura infeliz.
Felizmente, o rosto estranho e emblemático da ótima Elizabeth Moss conduz a história e empresta certo ar de melancolia à produção. A minissérie encontra na atriz a melhor tradutora das intenções de Campion, e é a atriz, em uma interpretação madura e triste, que compensa as falhas de uma minissérie que prometia entregar mais e fica apenas na superfície.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Cinema: Terapia de Risco


Terapia de Risco é Steven Soderbergh fazendo suspense genérico no melhor estilo Supercine. É o típico filme que você assiste e presta atenção na fila de reviravoltas, mas não diz nada porque parece ser feito em série. Se não fosse pelo nome do cineasta e os rostinhos bonitos da vez expostas no cartaz, essa trama hitchcockiana de quinta passaria batida e seria lançada direto em vídeo. Como o longa traz a grife de Soderbergh estampada na paleta de cores habitual do diretor e estrela os queridinhos Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones e Channing Tatum, a gente paga caro para ver na tela grande e ainda dá check-in no Foursquare e no GetGlue sem medo de passar vergonha.
A história começa promissora, dando a ideia de que o filme será um estudo de caso sobre os efeitos colaterais dos remédios para a depressão e as artimanhas que a indústria farmacêutica usa para atrair mais consumidores. Mas logo vemos que essa premissa inicial é deixada de lado para a produção abraçar um suspense com toques de noir lesbian chic. Tudo muito bem envernizado para agradar plateias de todos os gostos.

Alguém pode bradar e dizer que a produção não passa de um exercício de estilo de Soderbergh, aqui arriscando enveredar pelo cinema de gênero. Mas outros cineastas “autores” já fizeram isso e se saíram bem melhor, vide Martin Scorsese em “Cabo do Medo” e “A Ilha do Medo”, pra ficar em um exemplo. Pode ser também apenas um problema de expectativas em relação ao trabalho de um diretor que já foi bem mais interessante um dia, tanto estética quanto tematicamente.
Entre uma tomada interessante aqui e um ritmo fluido ali, temos Jude Law bancando o herói hitchcokiano habitual, alguém que está no lugar errado na hora errada, Catherine Zeta-Jones no limite da canastrice e uma Rooney Mara que não convence nem como mulher depressiva muito menos como femme fatale. Channing Tatum faz o papel de galã coadjuvante amigo de Soderbergh da vez. E o público fica dividido entre a realização correta, a ideologia caretinha e a expectativa de um filme melhor que nunca acontece.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Cinema: Amor Profundo

Se, no cinema, mulheres contemporâneas que trocam o marido pelo amante já não costumam se dar bem (vide Entre o Amor e a Paixão), imagine então as mulheres do passado. Em Amor Profundo, Rachel Weisz troca um casamento infeliz, mas seguro, pela aventura com um amante mais novo, mas sem fortuna. O cenário é a Londres miserável do pós-Guerra. O marido é mais velho, abastado, mas sem paixão, sem vida. O amante é bonito, jovial, sempre animado, mas instável. Ela não pensa duas vezes e troca o certo pelo duvidoso. E, claro, sofre por isso.

Mas pelo menos ela sofre com estilo no filme de Terence Davies. Por meio de uma bela fotografia e de uma ambientação cheia de fumaças, espelhos, sombras e luzes, o diretor entrega seu filme a Rachel Weisz e constrói um retrato sutil do início e término de um relacionamento que deixa como resultado uma mulher sem nada, apenas alguns tacos de golfe e a esperança.
Indo e voltando no tempo, Davies usa o rosto luminoso da atriz para mostrar as mudanças e as transformações que a personagem passa ao abandonar o marido (Simon Russell Beale), que ainda vive sob as rédeas da mãe, pelo sorriso aberto e os olhos claros e cheios de vida de Tom Hiddleston (um sub Michael Fassbender).

Seguindo a tradição das heroínas românticas dos filmes de época, nem tudo são flores no caminho de Weisz. Mas o filme opta por não exagerar no sofrimento da personagem e deixa todo o drama recair na interpretação da atriz e na mise-en-scène bem elaborada. A música começa quase de modo operístico, mas desaparece muitas vezes para deixar o espectador respirar a história. As idas e vindas no tempo servem para balancear a trama e contrapor a felicidade e a tristeza da protagonista, afastando-se do melodrama fácil.
Davies filma com apuro estético, mas sem afogar a história apenas em técnica vazia. O longa leva seu tempo, é editado em um ritmo lento, mas certeiro. No final, “Amor Profundo” pode não ser uma experiência arrebatadora, como é a paixão de Hester pelo soldado Freddie, mas é um exercício cinematográfico que vale pela maturidade com que é filmado. A aura do filme ainda remete, mesmo que as produções tenham tramas bem diferentes, ao igualmente belo e doloroso Fim de Caso, de Neil Jordan. Se lá temos uma sofredora e temente Julianne Moore, aqui temos Rachel Weisz em um de seus melhores papéis.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Cinema: Em Transe

Depois de apurar seu estilo com os bens recebidos “Quem quer ser Milionário” e “127 Horas”, Danny Boyle entrega Em Transe, um longa divertido, mas que nunca empolga. Misturando o gênero “filme de assalto”, um clima meio noir com direito a femme fatale e mais sua câmera epilética, o cineasta constrói um suspense que se perde em uma trama confusa demais que só vai realmente despertar atenção lá no finalzinho, quando tudo se resolve.
 
O plot segue aquele esquema “quanto menos você souber sobre o filme, melhor”. James McAvoy interpreta um leiloeiro metido em um assalto de um quadro de Goya que vale milhões. No meio da história, temos uma quadrilha comandada pelo feio mais sexy do planeta, Vincent Cassell, e uma moça gostosa (Rosario Dawson) que lida com hipnotismo. Obviamente, nada é o que parece ser, mas até o espectador se dar conta disso, haja Zé.
Boyle acerta ao não levar tudo muito a sério. “Em Transe” já começa sem rodeios e com o pé no acelerador. O diretor estilhaça a história em um vai e volta sem fim fazendo uso de seu arsenal visual típico. E tome filtros que deixam a impressão de as imagens terem saído de um caleidoscópio neon, angulações inusitadas e a quase assinatura visual do rapaz: uma câmera meio bêbada que cola nas costas do protagonista.
 
“Em Transe” segue uma estrutura narrativa bem parecida com o maior sucesso do diretor, “Trainspotting”, ainda que o propósito seja distinto. Os diálogos conduzem as artimanhas visuais. E até “a moral da história”, com uma das pessoas metida na confusão passando a perna em todo mundo, se repete.
A diferença é que, “Em Transe”, Boyle não está preocupado em representar uma geração por meio de imagens icônicas e uma trilha sonora perfeita. O foco aqui é apenas a construção de um longa com uma trama labiríntica que possibilite ao diretor mostrar suas firulas enquanto estilista visual, usando esses recursos para confundir o espectador em relação ao que é real e o que é imaginação do protagonista. Muito pouco para alguém que parecia estar trilhando caminhos mais ousados.