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Depois de ganhar o prêmio de direção em Cannes por
“Drive”, Nicolas Winding Refn achou que podia fazer qualquer coisa. O resultado
é esse Só Deus Perdoa, um exercício de estilo vazio e violento que nunca diz
a que veio. Repetindo praticamente tudo que deu certo em seu trabalho anterior
(Ryan Gosling, a plasticidade exacerbada, a trilha sonora de Cliff Martinez),
Refn filma com tanto esmero que transforma seu novo trabalho em uma obra
pretensiosa, fria, calculista e que nunca desperta nada, a não ser tédio.
O mote da produção é a boa e a velha vingança. Mas não
espere nenhum “Kill Bill”, já que Refn está longe de ser um Tarantino. Aliás,
um dos problemas de “Só Deus Perdoa” é a falta de humor. Se em “Drive”, o
cineasta dinamarquês usava sua cartilha de recursos estilísticos para dialogar
com a nostalgia e o cinema de gênero, aqui ele parece pouco se importar com o
desenvolvimento da história ou mesmo dos personagens (ainda que a ambientação em Bangkok flerte com o cinema de luta). Em “Só Deus Perdoa”, o
estilo parece estar acima de tudo. Até mesmo de Ryan Gosling, que repete o tipo
silencioso de “Drive” (sem o mesmo carisma) e passa o longa quase inteiro
despercebido, com um ar de atormentado que pouco se justifica.
Outra questão que incomoda é que tudo em “Só Deus Perdoa”
parece querer ter um significado. Refn inunda o filme de vermelho, seja de
luzes ou de sangue, e cria belas composições que realmente enchem os olhos,
mesmo apelando para o grotesco e a violência. Ele aposta também em câmeras que
passeiam lentamente pelos cenários ou reforçam a movimentação pausada dos
personagens (todos praticamente desfilam em cena e supervalorizam qualquer
gesto). Pra quê? Muito provavelmente para dar sentido a coisas e ações banais
que nada acrescentam à trama mal amarrada.
O filme ganha algum respiro e inspiração na atuação de
Kristin Scott Thomas. Ainda que a interpretação da atriz pareça ser
extremamente calculada e combine com a proposta pomposa do longa, é ela que
empresta alguma coerência a uma produção apenas interessada em gritar
autoralidade. Em um filme sem heróis ou vilões, Nicolas Winding Refn e seu super
estilo são os principais responsáveis pelo esvaziamento narrativo de um longa
feito apenas para ser belo.
PS: Queria muito ter visto o filme nos cinemas, porque, apesar de ser ruim, a tela grande realmente parece ser a melhor formato para apreciá-lo. O filme, porém, não parece que vai estrear por aqui nunca.
O Lobo de Wall Street é energia pura. Martin Scorsese em
estado puro como há muito não se via (provavelmente desde “Os Bons Companheiros”).
Usando todo seu arsenal de cineasta maior (edição vigorosa, trilha sonora
rock´n´roll, narração em off), Scorsese gasta três horas para contar sem
concessões a trajetória de Jordan Belfort, vilão que ganha ares de anti-herói
graças à carismática interpretação de Leonardo DiCaprio.
Aprendiz de corretor da bolsa de valores que vira magnata
das finanças na Nova York da virada dos anos 1980 para a década de 1990, Belfort
é amoral e se vangloria disso, se cercando de gente tão ou mais inescrupulosa do que
ele. Para Belfort, sua personalidade é definida pelas drogas, pelo sexo e pela
grana que brota no seu bolso. Scorsese segue o mesmo caminho e recheia “O Lobo
de Wall Street” de tudo que move o rapaz: palavrões, notas e mais notas de
dólares, peitos e muito pó e comprimidos pululam ao longo de toda a produção.
Fugindo da seriedade de um “Wall Street” da vida (filme
dirigido por Oliver Stone nos anos 1980 que versava mais ou menos sobre a mesma
coisa), Scorsese concentra sua energia em apresentar e ostentar seu
protagonista, sempre metido em situações-limite e que chamam a atenção para si.
DiCaprio entende as intenções do diretor e se entrega ao personagem, verborrágico, alucinado e em êxtase, aos
berros ou usando da oratória para convencer e vencer.
O ritmo do longa segue a lógica do personagem. O filme
começa ágil, ditado pela edição da usual colaboradora do diretor, Thelma
Schoonmaker (injustamente esquecida pela Oscar), e pela narração em off de
DiCaprio, que vez ou outra fala também com o público. À medida que o filme
avança, a decadência do personagem também fica evidente no ritmo que acalma e
no tom de ostentação que desce um ponto.
Ainda que seja longo (três horas ainda são três horas),
Scorsese e Schoonmaker balanceiam a experiência injetando humor e se
preocupando menos em explicar as tramoias ou o próprio mercado financeiro e
mais em estabelecer conexões entre o público e os personagens. A narração em
off e a fala do personagem em primeira pessoa são exemplos (DiCaprio mesmo tira
onda com o público ao tentar explicar os mecanismos do mercado financeiro para
logo depois desistir e dizer que entender tudo aquilo não importa tanto funciona para criar empatia).
Amparado por um ótimo elenco de apoio (Jonah Hill
surpreende; Matthew McConaughey pouco aparece, mas deixa sua marca; Margot
Robbie segura bem a onda de ser praticamente a única personagem feminina revelante;
e Kyle Chandler é um sopro de ética em meio ao covil), “O Lobo de Wall Street” acerta
ao não ser politicamente correto. Scorsese deixa de lado recursos que poderiam
tornar seu filme mais palatável e uma cinebiografia chata e didática (a produção é inspirada em fatos reais) e não tem medo de
explorar a principal característica de seus personagens: a falta de vergonha na cara. Algumas
cenas podem não ser nada agradáveis de ver, mas quem se importa com isso se
quem está no comando é um Martin Scorsese em pleno domínio do seu talento audiovisual.
Depois de muito enrolar, criei coragem para encarar três
horas de cinema (não tenho mais idade pra ver filmes com mais de 1h45) e fui lá
ver Azul é
a Cor Mais Quente. O filme é inteiro de suas atrizes. Adèle Exarchopoulos e
Léa Seydoux se entregam sem concessões ao ponto de vista do cineasta Abdel
Kechiche e emolduram uma das histórias de amor filmadas com mais intensidade
pelo cinema.
Para demonstrar o amor que Adéle sente por Emma, Kechiche
não se constrange em explorar o corpo das atrizes ou mesmo detalhar sem meio
termos os atos sexuais entre as duas. Nesse sentido, o longa é bem gráfico e
desnuda suas atrizes para deixar claro a intensidade da relação entre as duas.
É uma abordagem visceral que chega a incomodar pela crueza das imagens, mas
devidamente contornada pela honestidade e naturalidade das atuações.
Sem se preocupar com demarcações de tempo, Kechiche não
tem pressa em apresentar sua protagonista e como ela conhece e se apaixona por
Emma, garota mais velha, independente e assumida que, com seus cabelos
azulados, transforma Adèle. Estabelecida a conexão entre ambas, o diretor passa
a se preocupar mais com a rotina que, eventualmente, mina esse relacionamento.
Polêmicas à parte, essa é a parte mais dolorida de Azul
é a Cor Mais Quente. Não é fácil acompanhar o distanciamento que se estabelece
entre as duas e como ele as afetará. O filme pega então pela identificação.
Quem nunca passou pela alegria de amar para logo em seguida ver esse sentimento
se transformar em algo que não parece mais fazer sentido? Depois de muito sexo,
paixão, brigas, encontros e desencontros, é quando Adèle (Adèle Exarchopoulos) sai
caminhando sozinha da exposição de Emma (Léa Seydoux), já no final do filme, que “Azul é a Cor
Mais Quente” nos dá a real dimensão de que amar é mesmo foda.
Depois da porrada chamada “Anticristo” e do poético “Melancolia”,
eu esperava mais de Ninfomaníaca – Volume I, projeto em que Lars Von Trier
lança seu olhar controverso sobre o tema mais tabu dos tabus: o sexo. O
resultado final, porém, fica muito aquém do imaginado. “Ninfomaníaca” é um
filme interessante, mas que fica em cima do muro e causa muito pouco impacto se
pensarmos que Von Trier é o tipo do cineasta que não liga muito para
concessões.
Um dos problemas de Ninfomaníaca – Volume I é que fica
difícil analisá-lo em virtude de uma série de questões. A primeira delas é a
declaração pública do diretor dizendo que desistiu do corte final da produção
(um épico de mais de 5 horas que foi reeditado e dividido em duas partes para
se adequar mais à lógica do mercado). Como saber que o que estamos vendo é a realmente a visão do autor ou uma releitura dos produtores? Depois, a própria lógica de duas parte não ajuda. Como entender a proposta do
cineasta diante de um longa visto apenas pela metade e que não deixa muito
claro suas intenções? [Favor não fazer comparações com filmes como “O Hobbit”,
“Jogos Vorazes” ou “Harry Potter” e outras produções essencialmente narrativas
divididas em partes para lucrar mais; o esquema aqui é outro]
Diante da primeira parte, o que se pode dizer é que Von
Trier aposta na sua já familiar estrutura capitular e a uma série de flashbacks
para narrar a história de Joe, que faz questão de se autointitular ninfomaníaca
e uma pessoa má durante toda a duração do filme ao relembrar sua trajetória
peculiar ao ouvinte erudito interpretado por Stellan Skarsgård e ao próprio espectador. Assistimos a
sua relação com o pai e a mãe (os pouco explorados Christian Slater e Connie
Nielsen), com uma amiga que de certa forma a introduz no mundo do sexo e logo
em seguida a decepciona e uma série de amantes que pouco significam em sua
jornada (com exceção de Shia LaBeouf).
Fazendo analogias entre sexo e pesca, equações
matemáticas e uma música de Bach, o cineasta constrói ideias interessantes que
são pouco desenvolvidas e perdem impacto diante de uma narrativa
surpreendentemente didática e verborrágica. Sim, Lars Von Trier, o cineasta que
nunca teme apelar para todos os recursos cinematográficos possíveis para
defender suas ideias, dirige “Ninfomaníaca – Volume I” um tom abaixo do seu
normal e sem o peso e a relevância de seus trabalhos anteriores.
Claro que, discorrendo sobre sexo, o longa traz um desfile
de paus, bucetas, bundas e sexo explícito, mas, em pleno 2014, só quem fica ruborizado com isso deve ser as mesmas pessoas quem leem coisas como "Cinquenta Tons de Cinza". O choque aqui parte muito mais da forma
quase puritana com que ele parece julgar sua personagem, um poço de culpa e
autopunição. “Ninfomaníaca – Volume I” é filmado quase como se Von Trier
quisesse realmente nos fazer crer que Joe (a ótima Stacy Martin, na fase jovem
da personagem; e Charlotte Gainsbourg, que pouco tem a fazer nesse capítulo, na
fase adulta) é uma pecadora. Mas difícil saber se no seu volume final o
cineasta vai subverter tudo e mostrar uma veia mais irônica ou transgressora
que falta aqui.
Por enquanto, resta ao espectador alguns risos
involuntários e um filme que discorre sobre sexo de uma forma um tanto apática,
resultando em uma experiência sensorial das mais sem sensações possível. Não deixa
de ser divertido de certa forma, é verdade. E essa primeira parte traz pelo
menos uma grande cena e uma grande interpretação: Uma Thurman patética diante
da situação mais constrangedora das situações constrangedoras.
Agora é esperar até março, quando estreia a segunda parte do projeto, e ver o que Lars Von Trier nos reserva. Ele já deu provas de que sempre pode surpreender.
Muita gente conhece Ben Stiller por causa de suas
atuações cômicas em filmes como “Uma Noite no Museu” e na série “Entrando numa
Fria”, mas o rapaz com cara de bobo e lindos olhos azuis também possui uma carreira
como diretor, sendo responsável por um dos longas que ajudou a definir a
geração dos anos 1990, o ótimo “Caindo na Real”. De lá para cá, Stiller dirigiu
alguns sucessos (“Trovão Tropical”), fracassos (“O Pentelho”) e cults (“Zoolander”).
Em seu mais novo trabalho atrás e à frente das câmeras, A Vida Secreta de
Walter Mitty, Stiller mistura as linguagens do cinema, publicidade e
videoclipe e pega emprestado cacoetes do cinema independente e dos blockbusters
para criar uma produção mais interessada em causar impacto audiovisualmente do
que em termos narrativos. Apesar de
belissimamente filmado e trazer várias musiquinhas indies de partir o coração
(Stiller desfila um Arcade Fire ali, um David Bowie aqui, um Of Monsters and
Men acolá), o roteiro do filme é uma bagunça só.
Na trama (inspirada em um conto já adaptado por Hollywood
na década de 1940), Stiller vive Walter Mitty, o típico personagem perdido do
cinema independente americano (ele poderia muito bem ser substituído pelo
Nicolas Cage em O
Sol de Cada Manhã ou pelo Will Ferrell de Mais Estranho que a
Ficção). Ele trabalha na revista Life, não tem vida social, está apaixonado
por uma colega de trabalho (a sempre simpática Kristen Wiig) e acaba perdendo o
negativo que seria a capa da última edição impressa de uma das principais
revistas do mundo.
A partir dessa premissa não muito original, Stiller se
esmera na fotografia e em criar cenas impactantes para compensar o roteiro
esquemático e amarradinho demais. Ao seu lado estão a aura melancólica da
produção (ainda que totalmente fabricada), a simpatia do elenco (com direito a
participações de Shirley MacLaine e Sean Penn) e um final que presta uma bela
homenagem ao universo das revistas impressas.
Pesando contra, a falta de um roteiro mais lapidado para justificar o esmero técnico da película, a pretensão de obra de autoajuda que paira durante toda a projeção do filme e a mistura de comédia romântica insossa com drama edificante que não cola. Mas, mesmo longe de ser a grande obra inspiradora que Stiller pretendia lançar, não há como negar que A Vida Secreta de Walter Mitty é bem bonitinho de se ver e ouvir.
Questão de Tempo – A vida seria bem mais fácil se fosse igual
ao novo trabalho de Richard Curtis: meio doce, meio melancólica e absolutamente
sem conflitos. Essa é a sensação que o espectador fica ao final de Questão de Tempo.
Nada realmente abala a vida de Tim (Domhnall Gleeson) depois que ele descobre
que pode viajar no tempo. De cara, ele conquista a mulher dos seus sonhos (uma
insossa Rachel McAdams), casa com ela, tem filhos e evita uma tragédia aqui e
uma bobagem ali por causa de seus poderes. Depois de escrever os ótimos “Quatro
Casamentos e um Funeral”, “Um Lugar Chamado Notting Hill”, os filmes da Bridget
Jones e dirigir “Simplesmente Amor”, Richard Curtis opta pela zona de conforto nesse
bonitinho novo trabalho. O filme passa leve e faz o espectador sorrir e se
emocionar algumas vezes, mas a comédia romântica é embalada em tom pastel e carece
de energia e charme graças a um roteiro acomodado e sem surpresas. Toda vez que algo
insinua abalar o mundo de Tim, ele vai lá, volta no tempo e pronto. Tudo é
muito fácil. Tudo é possível. Mas nada realmente empolga.
Álbum de Família – Filmes sobre famílias disfuncionais
não são novidades e são encontrados aos montes por aí (“As Filhas de Marvin”, “Terras
Perdidas” são alguns exemplos). Esse novo exemplar do “gênero” chama a atenção
logo de cara pelo desfile de rostos conhecidos e por ser uma adaptação de uma
peça teatral ganhadora de vários prêmios. Mas tirando o pedigree do elenco e do
texto, Álbum de
Família deixa a desejar graças a uma direção pesada (de um tal de John
Wells) e um roteiro burocrático (adaptado pelo próprio autor da peça). O longa
em si é uma grande discussão entre todos os membros de uma família reunida após
o sumiço do patriarca. Todos têm que lidar com algum segredo e convivem com dramas
pessoais prestes a explodir na próxima mesa de jantar. Meryl Streep balbucia ofensas de
um lado; Julia Roberts berra impropérios do outro. O espectador assiste a tudo
de camarote, mas sem grandes interesses. O resultado é um trabalho que traz
algumas cenas isoladas memoráveis em um conjunto mal amarrado e falho. Os atores estão
bem, mas a produção grita pretensão, e todos interpretam demais personagens que
poderiam ser gente como a gente se tudo não fosse tão planejado e ensaiado para
soar importante, grave e solene.