Karim Ainouz é meu cineasta nacional predileto. Ele constrói
imagens e filma palavras e silêncios de um modo que me diz muito. Cada um a sua
maneira, “O Céu de Suely”, “Viajo porque te amo, volto porque preciso” e
“Abismo Prateado” são experiências cinematográficas bem íntimas para mim. Dono
de um olhar poético nada prepotente, Ainouz está interessado em personagens em
estado de inquietação e desconforto. Existe certo descontentamento em seu
cinema e na fala de seus protagonistas, sempre em processo de fuga, ainda que
geralmente fugas subjetivas.
O novo trabalho do cineasta, Praia do Futuro, segue caminho semelhante. Cheio
de elipses e quase momentos mortos, aqui Ainouz dá mais força às imagens do que
às palavras, pouco é dito pelos personagens e muito está implícito em seus
gestos e olhares.
Saltando no tempo para estabelecer a trama, o cineasta
separa sua história em três capítulos para mostrar o relacionamento entre um
salva-vidas e um alemão de passagem por Fortaleza. Menos preocupado em dissecar
o envolvimento entre os dois, Ainouz prefere explorar momentos importantes para
tentar compreender tal sentimento. Donato (em uma atuação corajosa de Wagner
Moura) conhece Konrad (um Clemens Schick dono de um par de olhos azuis de
abalar estruturas) e muda sua vida, abandona a família em Fortaleza e vai se
aventurar em Berlim.
A trama banal se revela e ganha camadas no modo delicado
como o diretor filma essa relação e suas consequências. Algumas cenas ganham
mais pela plasticidade e força das imagens, compensando certo despojamento de
um roteiro que não se prende à lógica de tudo explicar e/ou mostrar: os dois
seminus em meio às pedras e ao mar; tudo que é não dito na intensa cena do
trem, seguida pela alegria dos dois na boate; o explosivo reencontro dos
irmãos; o final em meio a uma imensidão desoladora e uma narração em off cheia
de significados etc.
Semelhante a seus trabalhos anteriores, em “Praia do
Futuro”, os espaços também são importantes elementos narrativos. Em “O Céu de
Suely”, a cidade do interior em que a personagem está presa é fundamental para
determinar a inquietude da personagem. O deslocamento vivido pelo caminhoneiro
de “Viajo porque te amo, volto porque preciso” e o próprio modo como o longa é
filmado são essenciais para a estrutura do filme. E em “Abismo Prateado”, o Rio
de Janeiro é um espectador a mais da decadência que Alessandra Negrini sofre
após ser abandonada pelo marido. Aqui, tanto Fortaleza quanto Berlim são partes
da história e importantes para entender o comportamento dos personagens.
Flertando com o pop (a estrutura capitular, o apelidos
dos personagens e a bela trilha sonora), em “Praia do Futuro”, Ainouz segue
fazendo um cinema interessante, poético, contemplativo, envolvente e autoral.
Tudo isso fugindo do padrão chato, panfletário e/ou amador tão comum ao nosso
cinema. Sim, Karim Ainouz é meu diretor brasileiro preferido.
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