Dito isso, Cisne Negro não deixa de ser um passo atrás na carreira do cineasta. Afastando-se do convencionalismo estético de "O Lutador", Aronofsky volta a tentar ousar novamente nesse belo exercício estilístico que mistura o universo do balé ao dos thrillers psicológicos. É nessa mistura que o filme perde um pouco de impacto, porque todo o apuro estético do longa esvai-se na obviedade da trama.
No fundo, mesmo com toda a pompa que demonstra na tela, seja por meio de movimentos de câmera precisos e de uma encenação elegante, seja no desnudamento psicológico da protagonista (vivida com intensidade por Natalie Portman), "Cisne Negro" não se afasta ou difere nem um pouco de produções B como "Mulher Solteira Procura" ou "A Mão que Balança o Berço", por exemplo.
Se existe alguma diferença é que a protagonista não enfrenta nenhuma vilã perturbada, mas a si mesma. A lógica entre as produções, no entanto, é a mesma, e o suspense surge todo a partir da relação entre a "boa moça" e sua luta contra "a vilã". Ou seja, aqui, entre a versão inocente e ingênua da bailarina e sua contra-parte dúbia e insana. Na ânsia de emular as regras de um gênero por si só desgastado, Aronofsky peca, no entanto, ao apenas reproduzir a fórmula dando-lhe uma roupagem mais estilizada, mas sem nunca realmente abraçar o gênero que de certa forma homenageia.
Ainda que ouse ao falar e mostrar abertamente a tensão sexual que circunda a trama, Aronofsky falha ao não esconder que o luxo estético tenta, na verdade, acobertar a simplicidade narrativa e a falta de sutileza do roteiro. Em nenhum momento, por exemplo, o espectador tem dúvidas sobre a natureza realista ou fantasiosa das situações vividas pela bailarina interpretada por Portman. Se o jogo de surpresas não existe, resta a Aronofsky mergulhar o filme em um estado de tensão audiovisual estabelecido pela fotografia, edição e trilha sonora opressoras.
É justamente nesse apuro visual e sonoro que Cisne Negro vai buscar forças para não ser um mero remix de "A Malvada" com "O Bebê de Rosemary", influencias gritantes no novo trabalho de Aronofsky. Junte-se a isso a entrega de Natalie Portman, que consegue uma interpretação intensa mesmo mergulhada em um personagem chapado e unidimensional, aí chegamos ao que realmente interessa em "Cisne Negro": a opção de Aronofsky em sustentar o filme inteiro na atuação da atriz (muito bem amparada por Mila Kunis, Barbara Hershey e Winona Ryder).
Entre uma certa frieza que torna "Cisne Negro" um filme cerebral demais e bem pouco emocional, é na atuação de Portman que reside todo o coração do longa, revelado por uma explosão sensorial de imagens e sons na catarse fílmica da sequência final. "Cisne Negro" é, assim, um filme fácil de ser apreciado e representa, por um lado, um salto de maturidade técnica para Aronofsky, aqui dirigindo de modo mais classudo e detalhista e compondo imagens repletas de simbolismo, o que, de certa forma, justifica o deslumbre que o longa causa. Mas, por outro, em uma análise mais aprofundada, o cineasta ainda demonstra ser totalmente dependente desses mesmos recursos audiovisuais e das imagens milimetricamente arquitetadas para manipular os sentidos do filme, nunca de modo sutil.
Dessa forma, "Cisne Negro" chega ao fim deixando uma incômoda sensação de que não passa de muito barulho por nada, nunca chegando a ser a obra visionária tão anunciada. É um trabalho instigante e, com certeza, fica na memória. Mas também não deixa de parecer com glacê de bolo: muito bonito de se ver (e, aqui, ouvir), mas totalmente sem gosto.
Apesar de aparentemente você não ter gostado, seu texto diz o contrário.
ResponderExcluirConcordo em parte contigo, mas q o filme é tenso, isso é.
ResponderExcluir