O ser humano é uma raça que se
apega. Nos apegamos a pessoas, músicas, bandas, séries, filmes, roupas, objetos
materiais etc etc etc. E também nos apegamos a mitologias. Então se você está
passeando pela casa dos 30 ou é mais velho e assistiu a “Superman – O Filme”,
de Richard Donner, nos cinemas, na Sessão da Tarde ou em uma fita de vídeo
qualquer, vai ser mais difícil engolir O Homem de Aço, releitura do herói da
DC feita pelo diretor Zack Synder (do ótimo remake de “Madrugada dos Mortos” e
do horroroso “Sucker Punch”) e pelo produtor Christopher Nolan (diretor da nova
trilogia do Batman).
A culpa não é de Synder, nem de
Nolan e muito menos de Henry Cavill, a melhor coisa desse novo filme. A culpa é
do nosso imaginário, do casamento perfeito entre as cores, o tom cômico e
fantasioso do longa de Donner, da trilha sonora perfeita de John Williams e de
um Christopher Reeve em uma atuação icônica quase impossível de não tomar como
referência. Partindo daí, o esforço e a competência do diretor, do produtor e do
novo astro que encarna o maior de todos os heróis são dignos de nota e merecem reverência,
mas se empalidecem diante de uma obra anterior que é muito mais do que um
filme, é história cinematográfica, a tradução perfeita de um herói dos quadrinhos
para o universo bidimensional da tela grande.
Não há como negar que “O Homem de
Aço” é uma produção caprichada, com um puta desenho de som, direção de arte e
fotografia deslumbrantes (algumas cenas e tomadas de voo são de uma beleza
plástica impressionantes) e efeitos especiais que convencem e impressionam (do
Super-Homem voando à destruição em massa que acompanhamos no ato final - muito parecidinha e limpinha com o final de "Os Vingadores", aliás). Mas,
narrativamente, a nova releitura do Super-Homem carece da magia presente nos
filmes anteriores (pelo menos dos dois primeiros).
A história é basicamente a mesma.
Os elementos estão todos lá: a morte de Krypton, os pais terráqueos de Clark
Kent (bem defendidos por Kevin Costner e Diane Lane), os superpoderes do
adolescente que não se encaixa no mundo preconceituoso da Terra, o pai presente
em espectro, o uniforme vermelho e azul, a jornalista encrenqueira que serve
como amiga e interesse romântico do herói (Amy Adams retratando uma Lois Lane menos passiva) e tudo mais. Tudo no
lugar, mas falta algo.
A nova visão do super-herói arquitetada
por Synder e Nolan peca pela pretensão. Tudo grita grandiloquência. A representação
é épica. Os dramas são trágicos. O diretor e produtor diminuem as cores, agora mais
sóbrias e melancólicas, e aumentam a escala, o som e a dor. O longa ganha então
uma abordagem mais filosófica, religiosa e sombria e perde um tom escapista que faz falta. O humor é quase
raro e pouco funciona. A mão pesada de Synder (com supervisão da mão pesada de
Nolan) deixa a pretensão épica do longa ainda mais evidente. Mas, ainda assim,
é uma nova visão interessante sobre um personagem que já está enraizado demais
em nossa imaginação.
Entre mudanças sutis na dinâmica
da trajetória do herói (Lois Lane sabe desde o início que Clark e o Super-Homem
são a mesma pessoa, por exemplo) e um primeiro ato que quase coloca tudo a
perder (a parte kryptoniana do filme é um horror em termos de encenação, só não
sendo um total desperdício graças ao embate de atuações entre Russell Crowe e
Michael Shannon), é mesmo Henry Cavill a grande força de “O Homem de Aço”.
Lindo, encorpado, bom ator e,
além de tudo, carismático, Henry Cavill (que já fez filme com Woody Allen e
tudo) é o grande responsável por dar humanidade à visão ambiciosa e pesada do
diretor e dos produtores. Sem o sorriso ingênuo e o olhar emocional do ator, “O
Homem de Aço” seria apenas mais um blockbuster barulhento na multidão. E o filme
é até isso, mas, mesmo tendo muitas falhas, tenta também ir além. Seu
maior problema, na verdade, é porque, para toda uma geração, não há como
desapegar e assisti-lo sem colocar sua própria existência em perspectiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário